Por Caroline Francescato, CEO e fundadora do LinkLei, advogada e curadora do evento Legal Innovation Experience
Quando Pedro Álvares Cabral aportou no Brasil em 1500, não trouxe apenas a bandeira portuguesa. Trouxe a cruz, o mosquete e os símbolos da dominação colonial. Em pouco tempo, padres moldaram nativos, colonizadores exploraram a mão de obra e soldados mantiveram a ordem pela pólvora. E se disséssemos que o arsenal colonial agora é outro? E se novas formas de apropriação estiverem surgindo?
Mais de 500 anos depois, a lógica da dominação continua, mas em um campo invisível e poderoso: o digital. Se no passado a disputa era pela terra e pela força de trabalho, hoje o alvo são os dados. Cliques, buscas e interações se tornam bens valiosos para gigantes como Google, Apple, Facebook (Meta), Amazon e Microsoft. Conhecidas como grupo Gafam, essas empresas controlam um mercado trilionário. Ao longo da história, o Brasil sempre foi um fornecedor de matéria-prima. No século 21, os dados se tornaram a nova commodity. O que antes era ouro ou diamante, agora são informações sobre hábitos, preferências e até funções biológicas, extraídas e monetizadas.
A concentração global de dados e tecnologia representa um novo tipo de dominação
Plataformas digitais operam sem regulamentação específica, impactando direitos fundamentais. Empresas como Meta e AWS (Amazon Web Services) atuam como meras sociedades individuais, driblando exigências de governança e transparência. As redes sociais influenciam processos políticos e econômicos sem prestar contas sobre seus algoritmos, e a grande maioria dos órgãos públicos brasileiros ainda usa bancos de dados estrangeiros.
Se colonialismo é a apropriação de recursos para concentrar poder e riqueza, a concentração global de dados e tecnologia representa um novo tipo de dominação. Esse colonialismo digital não se combate apenas com discursos, mas com ações concretas para construir um ecossistema digital soberano. Precisamos fomentar a inovação e a tecnologia nacionais, investir em infraestrutura própria e regular a atuação das plataformas digitais. Sem soberania digital, continuamos colônia — só que, agora, no século 21.