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Preto de casa não faz milagre

A cor da pele segue sendo um marcador determinante

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Por Jorge Amaro de Souza Borges, doutor em políticas públicas e quilombola de Mostardas

O conhecimento liberta! Escrever é um ato de resistência contra estruturas que nos negam. Como pesquisador, escritor e alguém que ocupa espaços de produção intelectual e política, sei o peso de ser um corpo negro nesse lugar. Antes mesmo de falar, já somos lidos, interpretados e, muitas vezes, descartados.

A frase “Preto de casa não faz milagre” reflete uma verdade cruel: a sociedade celebra o negro que vem de fora, validado pelo olhar branco, mas aquele que cresce dentro, resiste e se afirma é visto como inconveniente. A “casa” aqui é também os espaços institucionais, políticos e acadêmicos. Ser preto e ocupar esses lugares é um embate constante.

A cor da pele segue sendo um marcador determinante. A estrutura racista faz com que sejamos os primeiros a sermos rejeitados. Podemos até entrar, mas sair é sempre mais fácil. Se formos críticos, logo somos excluídos. O critério de permanência nunca é o mérito, mas a conveniência.

Ser um intelectual negro que questiona o status quo não é apenas raro, é arriscado. Estamos sempre vigiados. E, mesmo entre os nossos, o racismo sistêmico nos faz ver a ascensão de um como ameaça, não como conquista coletiva.

O racismo opera como um sistema de exclusão ativa e estratégica

O Brasil, que se vê como democrático, continua hostil a quem rompe com a subalternidade. A educação, que deveria ser o passaporte para a ascensão, é muitas vezes a barreira. O diploma não garante legitimidade, só expõe o incômodo: “O que esse preto está fazendo aqui?”

O racismo opera como um sistema de exclusão ativa e estratégica. Ele não é acidental, não é um efeito colateral. Quando um negro alcança um espaço de poder, ele leva todos aqueles que foram impedidos de chegar ali. E cada movimento precisa ser calculado, porque a queda sempre será amplificada.

Dizem que “preto de casa não faz milagre”, mas seguimos desafiando essa lógica. A história nos ensina que não precisamos de milagres para transformar a realidade. Precisamos de luta. E isso, sabemos fazer desde os tempos da escravidão.

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