Por Cristiane Avancini Alves, jornalista e advogada, doutora em Direito
Depois de alguns dias (de novo) de chuva forte, o sol voltou em Porto Alegre. Era uma tarde que queria trazer esperança — com luz, sem muitas nuvens, primavera anunciada. Ao passar pela Rua Sete de Setembro, no centro histórico da cidade, chama a atenção um aviso: uma placa, indicando que as águas da enchente tinham chegado a 1,60m naquela região: “1,60m. Águas de maio, 2024”. Assim escrito. Essa indicação me levou ao dia em que tivemos de sair de casa. A sorte de poder sair, e de poder voltar — não como tantas famílias que não tiveram essa possibilidade. Contudo, naquela noite em que decidimos sair, também, da cidade, era breu. Profundo. Apenas os faróis do carro iluminavam o asfalto. Tinha de se percorrer o caminho com atenção — silêncio, escuridão, outros poucos carros cruzando algumas ruas do percurso. Angústia e tensão. Deve ser assim que se sente quando se quer fugir de uma guerra.
O sentimento que surge com a fuga, em seus diferentes contextos, irmana-se no desejo de segurança, de paz
As imagens sobre os recentes bombardeios no Líbano remetem a essa lembrança. O que parecia distante, torna-se tão próximo. Não no sentido bélico, mas no sentido da fuga: a saída da população de suas casas, de suas cidades, rememora nossos próprios deslocamentos. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores brasileiro, os primeiros imigrantes libaneses chegaram ao Brasil no século 19. Esse contexto estreitou os vínculos entre o Brasil e o Líbano, sobretudo em razão da numerosa comunidade de libaneses e descendentes no Brasil, a maior do mundo, estimada em até 10 milhões de pessoas, sendo que a atual comunidade brasileira no Líbano conta com cerca de 20 mil residentes.
O sentimento que surge com a fuga, em seus diferentes contextos, irmana-se no desejo de segurança, de paz. Seja em cenários de bombas e de fogo, seja em elevações de água, é preciso que a humanidade trilhe caminhos de diálogo político e de preservação da natureza. Entre tantos outros, também desses fatores depende nossa existência. Para que ela não termine — e antes, muito antes do que se imagina.