A decisão drástica de bloquear a plataforma X no Brasil não deixa também de ser reflexo direto da omissão da Câmara dos Deputados na regulação das redes sociais. O embate entre o proprietário do antigo Twitter, o bilionário Elon Musk, e o Supremo Tribunal Federal (STF), personificado pelo ministro Alexandre de Moraes, se agrava diante da demora em estabelecer regras claras sobre os limites do que pode circular no ambiente online diante da falta de interesse das big techs em moderar de forma adequada o discurso de ódio, as notícias fraudulentas e outros conteúdos criminosos.
A inércia da Câmara contribuiu para milhões de brasileiros serem alijados de acessar o X e se expressarem com responsabilidade
A inércia da Câmara, a partir dos ataques de Musk e da resistência do empresário em cumprir a legislação brasileira, junto a posturas de Moraes que extrapolam a razoabilidade, contribuiu para que milhões de brasileiros, sem nenhum envolvimento na pendenga, ficassem alijados de acessar o X e se expressarem com responsabilidade. Deve-se registrar que, a despeito do retrocesso empreendido por Musk no cuidado com postagens de fake news e de intolerância, o X é ainda uma plataforma de alta relevância para o debate público, no país e no mundo. A rede social foi bloqueada no Brasil por decisão de Moraes na sexta-feira confirmada por unanimidade ontem pela primeira turma do STF.
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, instituiu no dia 5 de junho um grupo de trabalho com 20 parlamentares que teriam a responsabilidade de elaborar uma nova proposta de regulação das redes sociais no Brasil. O prazo seria de 90 dias. Ou seja, o país deveria conhecer o texto, fruto de um consenso de deputados de várias vertentes ideológicas, nesta semana. Diante da ausência de informações sobre o andamento dos trabalhos, é possível concluir que o compromisso não era sério.
É preciso lembrar que a decisão de Lira foi tomada a partir da escalada das tensões entre Musk e o STF. Seria uma tentativa de voltar ao tema após a Câmara deixar de votar o PL 2630/20, também conhecido como PL das Fake News, aprovado em 2020 no Senado. O PL 2630/20 sucumbiu diante da falta de apoio entre os deputados, resultado inclusive de campanhas de desinformação incentivadas pelas próprias big techs. A pressão contou até com a disseminação da informação falsa de que o projeto de lei ameaçaria a liberdade religiosa.
A sociedade deve estar vigilante na defesa da liberdade de expressão, pilar de qualquer democracia, mas também atenta para o uso distorcido deste princípio de forma maliciosa. Para as grandes empresas proprietárias de redes sociais, é conveniente e lucrativo manter o quadro atual, em que evitam obrigações legais e fogem do dever ético de moderar o que excede a liberdade de expressão e se configura em crime. É um debate global, que vem merecendo a atenção de outros parlamentos e governos.
No Brasil, enquanto a Câmara se omite, o STF exagera ao ocupar esse espaço. O Legislativo costuma reclamar da usurpação de competências pelo Judiciário, mas também é reincidente em empurrar com a barriga assuntos espinhosos. Diante do traumático episódio do bloqueio do X no país, não há mais como aceitar que a Câmara dos Deputados procrastine e fuja de sua responsabilidade neste tema.