O Supremo Tribunal Federal reabriu o debate sobre o instituto do foro por prerrogativa de função, conhecido popularmente em nosso país como foro privilegiado. Trata-se de uma garantia constitucional destinada a proteger o exercício da função ou do mandato público. O mecanismo, embora configure uma exceção no princípio de que todos são iguais perante a lei, justifica-se por prevenir e evitar perseguições políticas a integrantes da administração pública. Polêmica desde sua criação, principalmente devido à demasiada abrangência adotada pelos legisladores, a proteção legal atualmente em revisão divide as opiniões de juristas, políticos e da sociedade.
Mas tudo indica que será alterada mais uma vez. Na última sexta-feira, o ministro Gilmar Mendes votou pela ampliação do alcance da medida, no que foi acompanhado por outros quatro integrantes da Corte Suprema. O julgamento, porém, está suspenso devido a um pedido de vista por parte do ministro Luís Roberto Barroso. Mendes é o relator de um pedido de habeas corpus do senador Zequinha Marinho (PL-PA), réu na Justiça Federal do Distrito Federal pela prática de “rachadinha” quando era deputado federal.
A proteção legal atualmente em revisão divide as opiniões de juristas, políticos e da sociedade
O que está em debate, porém, não é apenas um caso individual, mas, sim, a abrangência do foro privilegiado. Pelo entendimento atual, resultante de decisão adotada em 2018 pelo próprio Supremo, deputados e senadores só têm direito ao foro quando julgados por crimes cometidos durante o mandato e/ou que possuam relação com o cargo. Além disso, quando deixam a função pública, por renúncia, não reeleição, cassação ou aposentadoria, voltam a responder por eventuais delitos nas instâncias inferiores. A revisão que está sendo feita pelo Supremo e que deve se estender até o próximo dia 8 pode alterar e até anular essa compreensão, mas, infelizmente, não cogita mexer na principal distorção, que é a amplitude injustificada do privilégio.
Embora o foro especial não seja uma exclusividade brasileira, pois sistemas semelhantes vigoram em países como Argentina, Espanha e Portugal, nenhuma nação do mundo estende essa prerrogativa a tantos ocupantes de cargos públicos como ocorre em nosso país. Levantamento feito pela revista Exame mostrou que mais de 55 mil pessoas desfrutam dessa regalia. Neste contexto, pela atual legislação, cabe ao STF julgar o presidente e o vice-presidente da República, ministros de Estado, senadores, deputados federais, embaixadores e integrantes das cortes superiores e do Tribunal de Contas da União. Compete ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) o julgamento de governadores, desembargadores dos Tribunais de Justiça, integrantes dos Tribunais de Contas estaduais e municipais e dos tribunais regionais (como TRF, TRT e TRE), integrantes do Ministério Público que atuam em tribunais superiores. Prefeitos, promotores e procuradores de Justiça são julgados pela Justiça estadual de segunda instância e os Tribunais Regionais Federais julgam juízes federais, do Trabalho, juízes militares, procuradores da República e integrantes do Ministério Público.
É inquestionável que esta demasia também precisa ser corrigida para que a proteção se restrinja essencialmente aos ocupantes de funções de cargos públicos sujeitos a pressões políticas e perseguições, que efetivamente precisam da proteção legal e da estrutura mais independente dos tribunais superiores.