Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Quando estamos diante de uma realidade complexa que precisa ser discutida, a simplificação é um expediente útil. Segmentamos os argumentos e usamos exemplos ou metáforas para construir um entendimento básico e, depois, avançamos para as partes complicadas. Um problema surge, porém, quando a simplificação é excessiva e entorta ou mascara fundamentos. Parece-me que é o caso da curva de Laffer na discussão sobre a alíquota do ICMS no RS.
Enquanto hipótese, não é generalizável, precisa ser sempre testada e contextualizada
Esta curva leva o nome do economista Arthur Laffer, que foi quem propôs a relação entre a taxa de impostos e o quanto é arrecadado pelo governo, lá na década de 1970. Segundo ele, começa-se com taxas baixas, que ao aumentarem também elevam a arrecadação total até certo ponto, a partir do qual novos aumentos de taxas passariam a diminuir o volume arrecadado. A explicação mais simples para esta inversão seria o desestímulo da atividade econômica em resposta aos impostos muito altos. No atual debate do ICMS gaúcho, tem pipocado a ideia de que aumentar o ICMS reduziria a arrecadação total e que isso “é descrito pela teoria de Laffer”. Mas, não é bem assim...
Para começo de conversa, esta curva não é uma “teoria econômica”. Faltam-lhe diversos elementos, como validação empírica robusta e potencial preditivo, para que seja considerada uma teoria. Ela se define melhor como uma hipótese. Enquanto hipótese, não é generalizável, precisa ser sempre testada e contextualizada. As estimativas para taxas críticas (a partir das quais a arrecadação passa a cair) variam muito e são altamente dependentes do cenário – no caso do Brasil, a intrincada matriz tributária. Para o ICMS gaúcho, por exemplo, existem estudos que apontam que esta alíquota crítica poderia bater em 46%!
Abordar o aumento do ICMS através da curva de Laffer e afirmar que existe “uma teoria econômica” que diz que a arrecadação vai cair é um oportunismo científico sem fundamento. Mas atenção: assim como ela não serve para contestar aumento de imposto, tampouco serve para argumentar a favor. A discussão sobre a alíquota do ICMS deveria estar focada em outros dois pontos: (I) por que, depois de tantos ajustes e reformas, chegamos rapidamente ao ponto de necessitar novos aumentos de alíquota; (II) e quais os efeitos das diferentes alternativas de ajuste fiscal sobre os consumidores. Estes sim são números que, bem calculados, oferecem base de argumento.