Por Gabriela Ferreira, consultora em inovação e professora da PUCRS
“E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, (…) o dia não veio. José, e agora?”
O trecho do poema de Carlos Drummond de Andrade não é lá muito otimista, mas utilizo-o para ilustrar a necessária reflexão e tomada de responsabilidade sobre os impactos das novas tecnologias. Especificamente se tratando de inteligência artificial (IA), uma das grandes preocupações – além das questões éticas – é o quanto ela vai substituir as pessoas e o seu impacto no mercado de trabalho. O Fundo Monetário Internacional estima que até 40% dos empregos em todo o mundo poderão ser afetados pela ampliação do uso da IA, aumentando as já enormes desigualdades sociais existentes no planeta. A discussão está no centro de muitas conversas de quem pensa negócios, se preocupa com o futuro ou trabalha para garanti-lo para todos.
Por um lado, especialistas alertam para a real possibilidade de substituição do trabalho humano pelas máquinas que, além de cada vez mais “inteligentes” (esta não é a palavra correta para a capacidade das máquinas, mas usarei aqui porque é o termo corrente), não demandam férias, assistência social ou sequer ficam doentes. Este cenário, se apavora alguns, é bastante atrativo para a produtividade das empresas. Por outro lado, há os contrapontos, e outros especialistas apontam para o que seria o lado positivo: assim como já aconteceu na revolução industrial, três séculos atrás, quando a máquina a vapor substituiu o trabalho braçal, também a IA seria capaz de “libertar” as pessoas de trabalhos mecânicos e repetitivos, deixando-as dedicadas àquelas atividades que são mais criativas e estimulantes.
Quem vai ser substituído pela inteligência artificial são os que têm mais formação, como engenheiros, jornalistas e médicos
Pois eis que surge, pelas mãos – ou palavras – de Virginia Dignum, que integra o grupo de especialistas de IA das Nações Unidas, o agora chamado “Paradoxo da IA”. A professora e investigadora portuguesa, que atua na Universidade de Umeå, na Suécia, alerta que, na verdade, quem vai ser substituído pelas novas máquinas são os que têm mais formação, como engenheiros, jornalistas e médicos. Ela diz, de forma simplesmente assustadora: “A IA é muito melhor do que qualquer um de nós a jogar xadrez, mas ainda não temos robôs que sejam capazes de pegar e mudar uma peça no tabuleiro. Tampouco é a IA que vai fazer serviços de limpeza”.
Polêmico? Sem dúvida. Uma possibilidade real? Com certeza. Está acesa a luz de alerta, com direito a pisca-pisca intermitente.
E volto para Drummond: “Sozinho no escuro qual bicho do mato, (…) você marcha, José! José, para onde?”.