Entre as incontáveis polêmicas geradas pelo projeto de reforma tributária que tramita no Congresso Nacional, atualmente em exame no Senado, está a proposta de criação de um imposto seletivo sobre bens e serviços considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O tributo já foi apelidado de “imposto do pecado” porque deve incidir sobre itens reconhecidamente danosos como cigarros, bebidas alcoólicas e pesticidas. Os bens e serviços a serem taxados, assim como as alíquotas, serão definidos em lei complementar.
Apesar da inegável conotação moralizante da proposta, a criação de um novo imposto precisa ser baseada em fundamentos técnicos. Nesse contexto, existe o temor de que a cobrança diferenciada acabe incidindo sobre toda a cadeia econômica ao estabelecer uma alíquota maior do que a taxação padrão dos demais produtos. Além disso, divergências conceituais a respeito de produtos nocivos precisam ser bem equacionadas, pois alimentos com excesso de açúcar, por exemplo, também podem ser apontados como prejudiciais à saúde das pessoas. O texto final do projeto aprovado na Câmara dos Deputados atende a essa preocupação da indústria alimentícia, deixando claro que bens e serviços beneficiados por alíquota reduzida do Imposto sobre Valor Agregado (IVA), caso dos produtos açucarados e ultraprocessados, não serão alvo de imposto seletivo.
Antes de bater o martelo sobre o imposto seletivo, os parlamentares brasileiros devem adotar as devidas precauções
A tributação mais elevada para itens de consumo que sobrecarregam o sistema de saúde pública já vigora no país. Como é de conhecimento geral, bebidas alcoólicas e cigarros pagam impostos mais elevados – e tais encargos, evidentemente, são transferidos para os consumidores. Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) em 2021 demonstra que 42,7% do preço da cerveja, por exemplo, corresponde a impostos. No cigarro, a parcela relativa à tributação é de 83,3% do preço final.
Também não é uma exclusividade brasileira. Países desenvolvidos como os Estados Unidos e os principais integrantes da Comunidade Europeia cobram o chamado sin tax sobre uma diversidade bem mais ampla de produtos. Alguns exemplos: Espanha e Holanda cobram imposto diferenciado sobre automóveis, Alemanha, Itália e Portugal sobretaxam apostas e loterias, a Dinamarca penaliza chocolates e sorvetes. Até bebidas não alcoólicas como o café estão sujeitas a cargas tributárias diferenciadas em alguns países.
Por isso, antes de bater o martelo sobre o imposto seletivo, os parlamentares brasileiros devem adotar as devidas precauções para que a lista de produtos sobretaxados não seja demasiado ampla. A criação de um novo tributo não pode ser guiada por gostos pessoais ou por posições ideológicas. Tem que levar em conta, por exemplo, os efeitos da seletividade dos tributos na cadeia de produção, nos empregos e no equilíbrio inflacionário.
Evidentemente, o aspecto da saúde pública deve ser considerado, mas a cobrança de taxas elevadas não é a única forma de desestímulo ao consumo de produtos nocivos. Com educação qualificada, informação adequada sobre hábitos prejudiciais, alimentação saudável e incentivo à prática de esportes também podem ser alcançados resultados coletivos promissores.