Mais emblemático e tradicional evento literário do Estado, a Feira do Livro de Porto Alegre, com a 69ª edição marcada para entre os dias 27 de outubro e 15 de novembro, não corre mais o risco de ter o seu tamanho reduzido ou de precisar enxugar a quantidade de atividades por falta de recursos. Como é de amplo conhecimento, a organização teve negado neste ano apoio financeiro por meio da Lei de Incentivo à Cultura (LIC) do Estado. A mesma ameaça pairou sobre a 39ª Feira do Livro de Caxias do Sul, que neste ano será realizada de 29 de setembro a 15 de outubro. Ambas conseguiram soluções emergenciais, mas não ideais.
O imbróglio se deve à maior demanda por recursos da LIC e à mudança de critérios do Conselho Estadual de Cultura para os repasses dos recursos
O esforço quase que de última hora com a ajuda do poder público deve ser reconhecido, mas é conveniente, para as próximas edições, estruturar alternativas duradouras e com maior antecedência. No caso da feira da Capital, a verba que faltava, cerca de R$ 800 mil, foi obtida por meio de Câmara de Vereadores, prefeitura, governo do Estado e de um patrocinador privado. Na Serra, a prefeitura vai auxiliar com R$ 230 mil, mais de dois terços do custo total orçado.
Todo o imbróglio se deve à maior demanda por recursos da LIC e especialmente à mudança de critérios do Conselho Estadual de Cultura adotada neste ano para os repasses das verbas obtidas pela lei, mecanismo de apoio que se viabiliza com a parceria da iniciativa privada, por meio de benefícios fiscais para empresas patrocinadoras. Os projetos candidatos a captar recursos recebem uma pontuação, mas quando há empate a prioridade é conferida a eventos em municípios que receberam menos dinheiro pela LIC nos últimos 12 meses. Na prática, foram beneficiados eventos menores, enquanto outros tradicionais, como o Musicanto, de Santa Rosa, o Festival de Cinema de Gramado e o Acampamento Farroupilha, na Capital, acabaram preteridos.
Surge, assim, a necessidade de uma reflexão: mesmo que seja meritório descentralizar recursos e democratizar o acesso, faz sentido deixar de apoiar algumas das programações mais importantes e tradicionais do Rio Grande do Sul? O Festival de Cinema de Gramado, por exemplo, é o mais célebre na área no país e o único entre os principais a ser realizado de forma ininterrupta há cinco décadas. É uma discussão que tem de ser retomada pelo setor cultural e o poder público, para reanalisar as regras. O conselho, deve-se lembrar, é um órgão autônomo, composto por 27 membros. Dois terços são eleitos por entidades de todas as regiões gaúchas.
Mantendo ou não os atuais critérios, o ideal é que uma definição ocorra com antecedência, para se evitar novos transtornos a partir do próximo ano. O repasse direto do poder público, que tem outras prioridades, deve ser algo excepcional. Assim, as organizações destes eventos maiores poderão buscar tempestivamente novas alternativas, como as demais leis de incentivo à cultura, ou outras formas de patrocínio junto à iniciativa privada. Acontecimentos icônicos como a Feira do Livro de Porto Alegre, que no próximo ano será uma septuagenária, merecem ter sempre edições à altura de sua grandeza e sua história.