Ainda que não produza efeitos práticos imediatos, tem grande significado simbólico o acordo assinado nesta sexta-feira pelos países integrantes do Mercosul com o propósito de disseminar uma cultura de paz na região austral do continente sul-americano. Na verdade, a Declaração por uma Cultura de Paz e Democracia e de Combate a Expressões e Discursos de Ódio, firmada pelos ministros de Direitos Humanos do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do Uruguai, oficializa iniciativas em andamento nessas nações, como a tramitação do Projeto de Lei das Fake News no Congresso brasileiro e o esforço de diversos países para regulamentar a atuação das grandes plataformas digitais.
O acordo assinado representa uma rejeição oficial dos países signatários ao racismo, à xenofobia e a todas as formas de opressão manifestadas pela comunicação interpessoal
O documento assinado na Argentina é a primeira manifestação coletiva do bloco para combater expressões postadas nas redes sociais e transmitidas por veículos de comunicação que, de forma intencional, expõem negativamente pessoas e grupos vulneráveis. Representa uma rejeição oficial dos países signatários ao racismo, à xenofobia e a todas as formas de opressão manifestadas pela comunicação interpessoal.
Para passar da simbologia à prática, porém, cada país precisa encontrar caminhos próprios dentro de seus respectivos regramentos constitucionais, de modo que o controle dos excessos não fira a liberdade de expressão. Mas há um ponto comum a ser explorado: fazer com que os cidadãos dessas nações compreendam que o que atenta contra suas garantias e direitos fundamentais é exatamente o discurso discriminatório – e não os esforços das autoridades para prevenir e punir as agressões.
Nesse contexto, as palavras-chave são educação e conscientização. Muitas pessoas têm dificuldade para entender que uma anedota racista ou a caracterização de determinada nacionalidade como criminosa num jogo online, por exemplo, podem gerar efeitos deletérios para a convivência entre indivíduos e nações. As palavras podem ser armas que ferem e geram conflitos, mas a violência verbal também pode ser contida pela educação antes da repressão.
Entre as ações possíveis para combater o ódio na sua origem estão a orientação familiar e escolar para o uso das redes sociais pelos jovens, os programas de integridade desenvolvidos por empresas e organizações sociais e alertas às autoridades sobre postagens preconceituosas, homofóbicas e discriminatórias. Nem tudo, porém, se resolve pelo diálogo. Por isso, precisamos de leis sensatas e de punições rigorosas, ainda que seja sempre difícil encontrar consenso para a adoção de regramentos polêmicos, como o atual projeto brasileiro de combate à desinformação, às mentiras e às agressões na internet.
Também por isso, o acordo entre os integrantes do Mercosul representa um avanço democrático para o Cone Sul, pois, como bem definiu o ministro brasileiro Sílvio Almeida, demonstra que esses países estão comprometidos com a proteção e a promoção dos direitos humanos das pessoas que habitam seus territórios. As palavras podem ferir, mas também podem curar: acordo e compromisso são pré-requisitos para a construção de uma cultura de paz entre vizinhos.