Considerado a prévia da inflação, o IPCA-15 de fevereiro, divulgado na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), veio levemente acima do esperado. Subiu 0,76%, ante uma expectativa de 0,72%, conforme consenso do mercado. Pode parecer pouco, mas o que está embutido nos números é a confirmação de um processo de desinflação mais lento do que o esperado há poucas semanas. O reflexo imediato é projetar uma situação ainda menos confortável para o Banco Central (BC) começar a cortar a Selic – hoje em 13,75% ao ano – nos próximos meses.
Espera-se apenas que a decisão a ser arbitrada por Lula quanto à reoneração seja feita sobre argumentos técnicos e racionais
Em 12 meses, o IPCA-15 acumula variação de 5,63%, abaixo do dado de janeiro, que foi de 5,87%. O problema, no entanto, é que as expectativas de elevação dos preços, tanto para 2023 quanto para 2024, seguem subindo semana a semana, como mostra o Boletim Focus, do BC. Na última publicação do ano passado, os analistas financeiros projetavam IPCA de 5,31% neste ano e de 3,65% em 2024. Na mais recente edição do Focus, divulgada na quarta-feira, os patamares já estavam em 5,89% e 4,02%, respectivamente.
O quadro põe o governo federal diante de um novo dilema. Vence amanhã a prorrogação da desoneração de impostos federais sobre a gasolina e o etanol. O Ministério da Fazenda, preocupado com a sustentabilidade fiscal, defende a normalização da cobrança dos tributos após o corte abrupto e de viés eleitoreiro do ano passado. Já a ala política e o PT, de olho na popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, especialmente entre a classe média, advoga nova prorrogação. O fato é que, com a reoneração, que tem a sua lógica e já está incorporada nas projeções dos analistas, a inflação ganha sustentação. Mesmo que a Petrobras tenha neste momento espaço para cortar preços devido às cotações internacionais estarem abaixo dos valores praticados no mercado interno. Há ainda os questionamentos sobre a correção de se subsidiar combustíveis fósseis, especialmente se isso beneficia em grande parte determinada parcela da população, que não é exatamente a mais necessitada.
Além dos sinais erráticos do governo federal nas primeiras semanas do mandato em relação à responsabilidade fiscal e dos ataques à autonomia do BC, os sinais do Exterior também não são alvissareiros. A inflação, lá fora, permanece resiliente. O índice de preços de gastos com o consumo nos Estados Unidos, divulgado na sexta-feira, também veio acima do esperado. É um sinal ruim, por indicar que o banco central norte-americano pode ser mais duro no seu aperto monetário. A diferença é que lá a economia segue aquecida, enquanto aqui disseminam-se sinais de desaceleração, cenário agravado com as dúvidas em relação ao mercado de crédito após o episódio da rede Americanas.
O governo, portanto, está diante de uma escolha difícil. O cenário se torna mais nebuloso pelas interrogações que cercam a proposta ainda desconhecida de nova âncora fiscal, que poderia calibrar as expectativas do mercado em relação à inflação, caso tenha bases críveis e inspire confiança. Espera-se apenas que a decisão a ser arbitrada por Lula quanto à reoneração seja feita sobre argumentos técnicos e racionais, norteados pelos interesses de longo prazo do país, e não por pontos de popularidade, que podem ser efêmeros. Deve ser levado em conta, ainda, o risco de passar a impressão de que, em disputas do gênero, a equipe econômica tende a ser derrotada.