O Bicentenário da Independência, como uma efeméride especialíssima para o Brasil, deveria servir como ensejo para a reflexão sobre as conquistas do país, as dívidas ainda existentes com a população e os caminhos para o desenvolvimento. Idealmente, seria ainda um momento de congraçamento dos cidadãos nas celebrações da passagem dos 200 anos do nascimento da nação. Mas, quis o traiçoeiro destino, o 7 de Setembro de 2022 chega com a marca dolorosa de um profundo dissenso na sociedade, acentuado pela aproximação da mais tensa eleição da trajetória democrática nacional. É preciso superar este momento traumático, como o país já se mostrou capaz em episódios do passado.
Embora existam razões para orgulho, o projeto de nação resta incompleto e a pátria ainda está distante de ser a mãe gentil cantada no Hino da Independência
Desde que se separou de Portugal, são diversas as passagens históricas que moldaram o Brasil de hoje, com suas virtudes e mazelas. Foram avanços obtidos pelo esforço de todos os brasileiros, assim como é tarefa coletiva suplantar os desafios que se apresentam. No século 19, o país passou por conflitos internos, mas conseguiu manter a unidade territorial, ao contrário da porção de língua espanhola da América do Sul. Aboliu _ tardiamente _ a escravidão e de império se transformou em república.
Ao longo do século 20, urbanizou-se e industrializou-se, passou por períodos ditatoriais e democráticos, tornou-se uma das principais economias do mundo, formulou a Constituição Cidadã e começou a se consolidar como uma das grandes potências globais do agronegócio. Especialmente nas últimas décadas, fez progressos substantivos que significaram melhor qualidade de vida, como a estabilização da moeda com o Plano Real, a grande redução da mortalidade infantil e o movimento de universalização do acesso ao Ensino Fundamental. De caráter pacífico, o Brasil fez do softpower seu grande meio de influência, em áreas como o esporte, as artes, o meio ambiente e pela imagem de um povo criativo, afável e alegre.
Passaram-se 200 anos do brado de Dom Pedro às margens do Riacho Ipiranga e, embora existam razões para orgulho, o projeto de nação resta incompleto e a pátria ainda está distante de ser a mãe gentil cantada no Hino da Independência. A visão de país do futuro permanece uma quimera. Os mais de 210 milhões de habitantes padecem com a violência, o ensino de baixa qualidade, a desigualdade social e racial e o baixíssimo crescimento do PIB e da renda nas últimas décadas. O país, com sua gente trabalhadora, envelhece sem ter enriquecido antes. Claudica nas reformas que poderiam destravar o potencial econômico e, incrível, hoje se vê às voltas com a necessidade de reiterar a obviedade de que a democracia é inegociável.
Não é aceitável, no entanto, resignar-se como se o subdesenvolvimento fosse o destino do Brasil. Existem, aqui, condições inigualáveis para reencontrar a trilha do progresso. Os requisitos são conhecidos. A base dessa virada está na educação, um desafio maior e mais urgente devido à pandemia. Só o conhecimento é capaz de forjar indivíduos mais produtivos e conscientes de sua cidadania – a fórmula do crescimento com inclusão.
Esse possível salto tem ainda como fator-chave a compreensão de que a economia verde tende a ser a próxima grande onda global. É uma área em que o Brasil tem um incomparável potencial por reunir plenas condições de conciliar preservação dos recursos naturais com desenvolvimento em áreas como biotecnologia, energia limpa e produção de alimentos. Mas é indispensável, por outro lado, garantir segurança jurídica e persistir em reformas que tornem o ambiente de negócios no Brasil menos hostil aos empreendedores e ajudem a atrair investimentos.
Mas essa jornada modernizante e civilizatória tem pré-requisitos. Um dos mais basilares é o apaziguamento social. Outro é um esforço para a sedimentação da confiança dos brasileiros nas instituições, fortalecendo-as, para assim restabelecer a plena harmonia entre os poderes da República, consolidando e robustecendo a jovem democracia brasileira. Esse é o regime em que a vontade das maiorias legitimamente se sobrepõe, mas com respeito e proteção às minorias. É o sistema que permite a convivência plural, zela pela livre circulação das ideias e privilegia o respeito e o diálogo para a construção dos consensos que poderão entregar para as gerações vindouras, enfim, o prometido país do futuro. Mais próspero, justo e pacificado e motivo de orgulho para todos os seus cidadãos.