Por Maria Regina Fay de Azambuja, procuradora de Justiça e professora da Escola de Direito da PUCRS
No Brasil, o projeto mais importante para a infância completa 32 anos. O que diriam as crianças se fossem chamadas a trazer suas impressões sobre o que tem sido a elas ofertado neste novo tempo da história? Para muitas, a infância já ficou para trás sem terem tido a chance de experimentar a proteção que tão bem foi apresentada no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Como conviver com esta imensa lacuna entre a lei e a realidade? Como justificar tamanha omissão?
O constituinte elegeu a infância como prioridade absoluta, passando a criança de sujeito de necessidades à condição de sujeito de direitos
A partir de 1988, optamos por traçar um novo caminho na direção oposta ao que vínhamos praticando. Não foi uma mudança superficial. O constituinte elegeu a infância como prioridade absoluta, passando a criança de sujeito de necessidades à condição de sujeito de direitos. Certamente não era possível avaliar os esforços que seriam necessários para dar vida e eficácia à Lei 8.069/1990. Pouco a pouco, com muita determinação e esforço de todos, foi se desenhando um novo horizonte aos que chegam ao mundo.
Os que sempre acreditaram na nova proposta se deparam ainda hoje com os obstáculos daqueles que resistem em colocar em prática a nova lei. Afinal, já se passaram mais de três décadas e ainda temos dados assustadores indicando o número de crianças vítimas de toda forma de violência, especialmente no âmbito familiar.
Precisamos, com urgência, ouvir a voz das crianças que não conseguem mais falar. No período que antecedeu a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, elas foram a Brasília levando suas reivindicações ao plenário da Câmara dos Deputados. Na ocasião, as crianças e os adolescentes ainda tinham voz e esperança de que um mundo novo era possível de ser construído.
É muito provável que as meninas e os meninos, que tão bem souberam mostrar aos legisladores a urgência de transformar suas necessidades em direitos, não tiveram tempo de usufruir das conquistas que vêm expressas no ECA. Neste momento em que constatamos os avanços na passagem de 32 anos, é preciso não esquecer que ainda temos uma dívida imensa para com as crianças que, com tanta clareza, nos mostraram o caminho, já que nós, os adultos, não conseguimos responder à altura.