O governo chinês tem perseguido empresas digitais de comércio eletrônico, interação online, mineração de criptomoedas e reforço escolar online. A escolha desses setores não é coincidência. São considerados transacionais, ou seja, alegadamente não criam valor real para a sociedade nem aumentam o poder da nação no mundo. Ao crescerem, dificultam o repasse de dados de seus usuários ao governo, para fins de fiscalização ou vigilância. Além disso, sugam boa parte do capital de risco (subsidiado pelo Estado) e da mão-de-obra qualificada disponível no país.
Direcionar os capitais financeiro e humano para setores mais estruturais, como hardware de telecomunicações, pode fazer sentido no contexto de uma nação que busca diminuir custos de transação, em alguns casos associados à corrupção.
Veja o exemplo do reforço escolar, uma mega indústria cada vez mais digitalizada: há evidência de que professores das escolas chinesas não trabalham todo o conteúdo em sala de aula para depois venderem parte dele em plataformas digitais ou encontros privados com os alunos. Visto que o número de vagas nas universidades não cresce na mesma proporção dessa indústria, o acirramento da competição entre jovens chegou a níveis extremos, gerando estresse às famílias. O fenômeno não é novo, mas pode ser interpretado como uma ferida que sangra cada vez mais na sociedade.
A China impõe ao mundo um novo nível de exigência em termos de robustez da política industrial e de inovação
Parece lógico focar em atividades de alto valor agregado que também geram um dividendo em termos geopolíticos. Porém, é possível que o governo chinês subestime o potencial dos negócios transacionais na acumulação de uma inteligência para vigilância nacional e global. Querendo ou não, a relação com essas empresas precisa ser gerenciada de maneira cuidadosa pelos governos das grandes nações. A estratégia adotada também subestima os efeitos multiplicadores de capital financeiro de risco (reinvestimento feito por empreendedores de sucesso) e capital humano, que se desenvolve por meio da interação com pares no contexto do trabalho criativo, como mostra a literatura recente.
De toda forma, é impressionante a coerência e agilidade na implementação dessa estratégia. A China impõe ao mundo um novo nível de exigência em termos de robustez da política industrial e de inovação.