Boa parte da sociedade brasileira, exausta e anestesiada pelos efeitos nefastos da radicalização política, permanece indiferente a um debate que nem sequer deveria ter começado. Ameaças veladas sobre realizar ou não eleições no ano que vem são inaceitáveis, sejam quais forem seu teor, suas motivações e seus protagonistas. Uma sociedade democrática não pode calar quando esse burburinho autoritário ganha formas mais nítidas.
É nítido que a real motivação dessa retórica descabida é, neste momento, a criação de um clima que justifique eventuais contestações aos resultados nas urnas no próximo ano
Não há margem para derivações, delírios e desvios: cabe à Justiça Eleitoral o papel de organizar, liderar e fiscalizar a realização dos pleitos regulares, sempre à luz da lei e da ética. Não há interesse pessoal ou partidário que se sobreponha à periodicidade e constância estabelecidas pelo calendário. Eleições são realizadas de dois em dois anos. Não se trata aqui de rechaçar o debate sobre questões que até podem ter a sua legitimidade, como a proposta do chamado voto auditável e uma transparência ainda maior para a averiguação da vontade popular, o que neste momento é analisado no Congresso.
Sempre é possível evoluir, o que a própria adoção da urna eletrônica comprova. Desde que a tecnologia começou a ser utilizada no Brasil, em 1996, não há qualquer indicativo minimamente consistente de fraude. O desejo autêntico de aperfeiçoar o sistema não pode ser intencionalmente confundido, porém, com subversão da ordem democrática, conquistada pelos brasileiros ao longo das últimas décadas.
É nítido, até mesmo para os mais desatentos, que a real motivação dessa retórica descabida é, neste momento, a criação de um clima que justifique eventuais contestações aos resultados nas urnas no próximo ano. Não há, nas falas desprovidas de lógica e de verdadeiro patriotismo, qualquer real intenção de colaborar com o processo de aprendizado e evolução da jovem democracia brasileira. Existe, isto sim, apego ao poder e impulsos golpistas incompatíveis com a liberdade e com a normalidade institucional de um país que já sofreu demais com a supressão de liberdades individuais e coletivas.
Se nem a pandemia impediu que os brasileiros fossem ordeiramente às urnas em 2020, não são bravatas e falsas assombrações que desviarão o país de seu compromisso com a Constituição e com o bem-estar de seus cidadãos. Cabe às instituições e aos líderes verdadeiramente comprometidos com o espírito republicano, com serenidade mas firmeza, reafirmar que o país, como é regra, terá eleições livres e justas em 2022, e o desejo popular, expresso nos votos, será soberano.