São aflitivas e merecem uma profunda reflexão da sociedade as conclusões do estudo do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgado na segunda-feira que traça um retrato dos brasileiros quanto a felicidade e aspectos econômicos. Em resumo, o trabalho conduzido pelo pesquisador Marcelo Neri mostra que, como consequência da pandemia, a população está mais triste e pobre e a desigualdade chegou a um patamar recorde para o período analisado.
Além da pandemia, o Brasil sofre com uma profunda divisão da sociedade, que descamba para crises políticas sequenciais e a falta de mínimos consensos
O Índice de Gini, que afere a concentração da renda, atingiu no primeiro trimestre deste ano a marca histórica de 0,674. Quanto mais perto de 1, maior a desigualdade. Embora não cause surpresa, é desolador constatar que se acentua um dos mais graves problemas do Brasil – que já era uma das nações do mundo com o maior fosso entre os extremos nos estratos sociais. A situação é resultado
da crise no mercado de trabalho ao longo da pandemia, que afetou de forma mais aguda as famílias humildes. A renda per capita também não trouxe boas notícias. Ficou em R$ 995, pela primeira vez abaixo de R$ 1 mil desde o início da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, apurada pelo IBGE, iniciada em 2012. O valor é 11% inferior ao de um ano atrás. Entre os mais pobres, o recuo foi o dobro.
As dificuldades econômicas se traduziram em maior amargura. Na medida de felicidade, o nível de satisfação ficou em 6,1, queda de 0,4 ponto percentual em comparação com o de 2019 e outra vez o pior resultado desde o início do levantamento. As sensações negativas também cresceram puxadas pelos mais desvalidos. Conclui-se que o Brasil, da mesma forma, padece de uma desigualdade de felicidade. Mais brasileiros disseram experimentar sentimentos como raiva, preocupação, estresse e, ao mesmo tempo, menos momentos de diversão.
Além da pandemia, que afeta o mundo todo em maior ou menor grau, o Brasil sofre com uma profunda divisão da sociedade, que descamba para crises políticas sequenciais e a falta de mínimos consensos que possam contribuir para recolocar o país no trilho de um crescimento sustentável. A alta de 1,2% do PIB no primeiro trimestre foi uma surpresa positiva, mas em grande parte reflexo de fatores externos. A nação precisa de um desenvolvimento inclusivo, que distribua renda, algo que não é ideológico, mas lógico. Mais gente consumindo significa crescimento do mercado interno e maior confiança para os agentes da economia, dando início a um círculo virtuoso de prosperidade.
A prioridade, hoje, é o avanço da vacinação, para permitir um retorno mais seguro das atividades. Após longo período de escolas fechadas, o ensino também requer uma atenção especial, notadamente na rede pública. A educação é a grande arma para combater a desigualdade. Mas a recuperação do tempo perdido pela profusão de turbulências dos últimos anos exige menos discórdia e mais concórdia entre as lideranças que dirigem e virão a conduzir o país. Só assim a grande maioria dos brasileiros poderá recuperar o sorriso e ter a esperança de um futuro melhor.