Logo que foram anuladas as condenações de Lula, surgiu um debate intenso sobre a comparabilidade entre ele e Bolsonaro. São comparáveis ou não? É justo analisar mensalão, petrolão e a irresponsabilidade na condução da pandemia sob a mesma escala de valores? Muitas réguas são possíveis para medir os (de)feitos dos dois presidentes. Meu ponto é que, se ficarmos nessa conversa, não vamos enxergar os fenômenos maiores que atravessam as duas presidências e que são cruciais para definir nosso futuro como nação.
Uma grande questão por trás dessas perguntas é como mitigar o populismo no Brasil. Ficaram claros nos governos do PT os momentos quando o governo passou a se apoiar mais fortemente em argumentos populistas. “Elite branca”. “Tem gente que torce contra o Brasil” (argumento também usado por Bolsonaro, aliás, com ainda mais ênfase).
Lula é um mestre da negociação carismática. Ele cria a polarização para depois apresentar-se como solução. É daqueles seres que surgem uma vez a cada século para balançar as instituições. Se elas forem suficientemente fortes, a nação inaugura uma nova era de desenvolvimento. Se forem frágeis, entra em uma espiral autodestrutiva. Até agora, tudo indica que estamos no caminho da degradação das instituições democráticas.
O atual chefe do governo, como já descrevi aqui na coluna, utiliza algumas armas clássicas para gradualmente minar as instituições: enfatizar as limitações de seu posto, ocupar a pauta com assuntos polêmicos para passar outras medidas na surdina, inventar inimigos, criar rusgas entre os poderes, aparelhar instituições, desmontar outras. Muito disso é inspirado na contra-inteligência militar do século 20, mas com um toquezinho sórdido das tecnologias atuais.
Uma das diferenças do momento atual, desde as eleições de 2018, é o uso de tecnologia digital de ponta para reforçar as narrativas populistas
Uma das diferenças do momento atual, desde as eleições de 2018, é o uso de tecnologia digital de ponta para reforçar as narrativas populistas. Psicometria, análise de redes, marketing de precisão, engenharia social em grupos do Whatsapp. Contra essas armas, não bastam fatos, checagem de informação, jornalismo rigoroso. Para desarmar os discursos que estimulam os conflitos sociais no Brasil, é preciso saber exatamente o que, como, quando e para quem dizer. Em outras palavras, é preciso lançar mão de armas parecidas com as usadas por quem espalha desinformação.
É um cenário paradoxal porque tendemos a ver tudo o que apela para as emoções como sinônimo de conversa vazia. Mas não é. Podemos usar as ferramentas sem perder o norte ético. No fundo, se trata de dar a cada brasileira e brasileiro a chance de alguma prosperidade futura. Se o populismo não arrefecer, não há qualquer futuro para esse país. A escolha não é entre um e outro candidato. A urgência é não ficarmos nesse caminho sem volta.