O histórico recente recomenda boa dose de ceticismo em relação a comissões parlamentares de inquérito (CPIs). Em regra, transformam-se em arena de disputa política, bate-bocas e exibicionismos em busca de holofotes, sem que cheguem a conclusões robustas sobre o que investigam ou tenham como desdobramentos a efetiva punição de eventuais envolvidos em irregularidades ou crimes. Ao final da segunda semana da CPI da Covid no Senado, ainda não é possível ter clareza sobre o quanto se poderá avançar, além do que já é público e notório, sobre as omissões que levaram o Brasil a ser um dos países que mais sofrem com a pandemia no mundo e, ao fim, dar base sólida para possíveis responsabilizações.
Se as investigações forem conduzidas sem revanchismos, politicagens e vaidades, já terão valido a pena, apesar de todas as desconfianças iniciais
Mas é preciso reconhecer que, até aqui, após seis depoimentos, pormenores de alguns episódios, revelações, explicações e os poucos documentos que surgiram permitem tanto à comissão quanto à população compreender melhor as razões da magnitude da tragédia que se abate sobre o Brasil, com mais de 430 mil mortes pela doença. Grande parte dos fatos narrados já eram conhecida. Mas, da forma como vêm sendo apresentados, com mais detalhes, traçam uma linha do tempo da crise, mostrando como a sucessão de fatos, ideias equivocadas e negligências contribuíram para o morticínio ainda em curso e a escassez de vacinas. Evasivas e contradições já flagradas, da mesma forma, contribuem de alguma forma para que as peças do quebra-cabeça se encaixem.
A partir dos depoimentos, ficou ainda mais claro que o governo federal desdenhou do potencial mortífero do novo coronavírus, apostou em medicamento sem eficiência comprovada, demonstrou pouco interesse na compra de imunizantes – que poderiam ter chegado mais cedo e salvado milhares de vidas – e deu mais ouvidos a uma espécie de gabinete paralelo, movido mais por teorias esdrúxulas do que pela ciência, preterindo as vozes sensatas e técnicas que ainda existiam no Ministério da Saúde.
É cedo para arriscar as consequências práticas da CPI da Covid. Há ainda muitos depoimentos a serem colhidos, como o do ex-ministro Eduardo Pazuello, que tem muito a explicar, mas, não por acaso, buscou um habeas corpus para não responder a todas as perguntas dos membros da comissão. Já é possível concluir, porém, que ao menos será apresentada ao país uma sequência lógica dos acontecimentos, ligando fatos a personagens.
O descaso, a morosidade e o deboche já são conhecidos, em partes soltas. Costurar todos esses episódios e jogar luz sobre algumas zonas ainda de sombra podem ser uma bela contribuição para o país, auxiliando para que ao menos os mesmos erros não se repitam e ocorram correções de rota que ainda possam evitar mais mortes. Se a CPI for conduzida com esses objetivos como norte, sem revanchismos, politicagens e vaidades, já terá valido a pena, apesar de todas as desconfianças iniciais.