As falhas no combate à pandemia no país começam a causar uma inquietação mundial. Reportagens publicadas ontem nos jornais The New York Times, dos EUA, e no The Guardian, do Reino Unido, apontam a preocupação de cientistas com a circulação desenfreada do vírus da covid-19 no território nacional. Essa difusão descontrolada cria condições ideais para o surgimento de novas variantes potencialmente mais contagiosas e agressivas, que ofereçam maior risco de reinfecções e possam fazer com que as vacinas hoje disponíveis não tenham a mesma eficácia. Tornando-se uma espécie de berçário de cepas, alertam os especialistas, o Brasil pode acabar comprometendo os esforços da maior parte das nações para controlar a pandemia. Em resumo, a percepção é, cada vez mais, a de que o país está sendo elevado à categoria de ameaça global. É premente uma reação coordenada das autoridades responsáveis e de lideranças conectadas com a realidade para contornar essa situação calamitosa com medidas racionais.
É premente uma reação coordenada das autoridades e de lideranças conectadas com a realidade para contornar esta situação calamitosa
Com recordes de mortes e hospitais em colapso, o país vê a sua campanha de vacinação claudicar, sem a certeza de que será possível imunizar a população em um prazo razoável. O vírus, pelo contrário, se dissemina de maneira veloz. Enquanto especialistas da área de saúde advertem exaustivamente sobre as ações necessárias para deter o agente infeccioso e a maior parte dos governadores e prefeitos tenta implementar medidas para frear contágios, o presidente da República age no sentido inverso. Além do atraso na compra de vacinas, Jair Bolsonaro insiste na postura danosa de lançar desconfiança sobre vacinas, de desestimular o uso de máscara e de promover aglomerações. É tudo do que a dinâmica de multiplicação do vírus precisa.
A variante identificada em Manaus já se mostrou até 2,2 vezes mais contagiosa e faz os enfermos terem carga viral até 10 vezes maior, elevando as preocupações com uma aceleração ainda maior das mortes. É uma escalada fatal inclusive para a economia, diante da obrigatoriedade de restrições para tentar minimizar a mobilidade e o morticínio.
O outrora simpático Brasil, que há não muito conseguia ser influente com o seu soft power, virou um pária global. O desdém com a questão ambiental já vinha, nos últimos dois anos, aumentando a censura mundial. Com a troca de governo nos EUA, que faz aposta pesada na vacinação, o Brasil fica mais isolado no mapa-múndi negando a gravidade da pandemia.
O desgaste de imagem tem o potencial de prejudicar ainda mais a economia brasileira, com possíveis sanções que atinjam o agronegócio e demais produtos e serviços nacionais. O fluxo de investimentos estrangeiros no país também fica ameaçado, postergando outra vez as chances de retomada do desenvolvimento e realimentando o ciclo de baixíssimo crescimento observado na última década. Tornar-se um perigo sanitário internacional por decisões políticas equivocadas só piora a situação. Não será fácil desfazer os estragos, que já são palpáveis. Mas é inadiável que a sociedade, empresários, entidades da organização civil, forças políticas e população despertem do estado de torpor e reajam para evitar prejuízos ainda maiores ao Brasil, que chora um número inimaginável de mortes e vê crescerem as chances de ser cada vez mais marginalizado aos olhos do mundo.