Os brasileiros aplaudirão de forma efusiva os deputados federais se, nas próximas semanas, também dedicarem as sextas-feiras, dia em que o Congresso costuma ficar às moscas, à tramitação e votação de matérias essenciais e urgentes para o país, como temas relacionados ao combate à pandemia, ao auxílio emergencial e às reformas. Tamanha mobilização três dias atrás, no entanto, não era para nenhuma dessas nobres tarefas. Desde a metade da semana passada, um grupo de parlamentares, centrão à frente, se reuniu para tentar aprovar, de afogadilho, a chamada PEC da Imunidade – rapidamente, claro, apelidada de PEC da Impunidade.
Aumentar as chances de impunidade claramente não está de acordo com os interesses da sociedade brasileira
Trocando em miúdos, a proposta de emenda à Constituição dificulta a prisão de deputados e senadores em certos casos. Ou seja, os deputados federais estavam em plena sexta-feira em Brasília não trabalhando em prol da população, mas tentando legislar em causa própria. A celeridade repentina teve como motor o episódio do parlamentar bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ), detido há quase duas semanas por ameaças a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), à própria Corte e por pregar um novo AI-5 no Brasil. Para o bem do país, a péssima repercussão da tentativa na opinião pública e a falta de acordo para votar o texto na sexta-feira levaram à decisão do restabelecimento dos ritos adequados. Presidente da Casa e um dos articuladores da PEC, o deputado Arthur Lira, derrotado, decidiu enviar a proposta para começar a ser discutida em uma comissão especial, o que é praxe.
Pelo texto da PEC, decisões judiciais não poderiam mais afastar parlamentares de seu mandato. Um ministro do STF não poderia mais, de forma monocrática, decretar prisão cautelar de um legislador, como foi o caso de Silveira. A decisão teria de ser do plenário. Permaneceria a possibilidade de deputados e senadores serem presos por crime inafiançável em flagrante, mas ficariam sob custódia da respectiva Casa até o plenário votar a decisão. Os parlamentares também responderiam por declarações apenas nos conselhos de Ética e não poderiam mais ser responsabilizados civil ou criminalmente.
Além do teor controverso, o rito de tramitação a jato tentado pela Câmara foi nitidamente descabido. Não há justificativa plausível para a urgência, a não ser o temor disseminado de ter destino semelhante ao do deputado Silveira, seja qual for a razão, desde um ataque à democracia até o manejo inadequado de dinheiro público. O correto, como será agora, é uma ampla discussão sobre a matéria.
Uma das justificativas para a PEC era definir de forma mais clara os limites da imunidade. Parlamentares têm – e precisam ter – prerrogativas e garantias especiais pelas suas funções, como no caso de opiniões ou votos, mas a tentativa em curso era uma simples busca por blindagem, bem além do necessário equilíbrio e independência entre os poderes. Uma prova é o alto grau de interesse de deputados enrolados na Justiça com o tema. Imunidade não pode ser um escudo para irresponsabilidades, crimes ou falta de decoro. Há, notadamente, uma tentativa de proteção em relação ao STF, que tem sido instado a agir, nos últimos anos, devido à omissão dos próprios parlamentares nos conselhos de Ética. O da Câmara, por exemplo, cassou o mandato de apenas sete deputados, apesar das quase duas centenas de casos analisados desde 2002. Especula-se, agora, uma punição branda a Silveira.
O ideal seria que o Congresso fosse mais rigoroso com condutas condenáveis de seus membros e tivesse menos espírito de corpo, condenando inclusive com a perda do cargo quem não possui estatura moral para ser membro do parlamento. Como parece não existir a disposição de uma guinada ética, aumentar as chances de impunidade claramente não está de acordo com os interesses da sociedade brasileira.