O drama da falta de leitos de UTI para dar suporte a todos os pacientes com covid-19 em estado grave tem causado especial preocupação entre idosos, pelo receio de que, caso adoeçam e precisem de um cuidado com maior complexidade, possam ser preteridos, com alguém mais jovem passando à frente. Essa inquietação levou a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia no Rio Grande do Sul (SBGG-RS) a se manifestar sobre a situação, que também passou a ser um dilema vivido no dia a dia pelos médicos intensivistas nas últimas semanas, que precisam fazer a dura escolha de quem será direcionado à terapia intensiva e quem permanecerá em um leito clínico, sem a atenção que o caso deveria merecer.
Disseminou-se a percepção equivocada de que o critério da idade seria um fator definitivo na decisão de quem vai para uma UTI
O alerta pertinente da entidade é de que disseminou-se a percepção de que o critério da idade seria um fator definitivo na decisão, pelo argumento simplificado de que mais jovens teriam maiores possibilidades de sobrevivência. Assim, adverte a SBGG-RS, haveria o risco de idosos até desistirem de buscar atendimento em situações mais delicadas, pela falsa certeza de que não teriam chances de conseguir vaga em uma UTI, caso precisassem. Ou seja, seriam "deixados para trás", como pontua a nota divulgada pela entidade.
O fato é que essa compreensão, felizmente, não está correta. Os critérios de escolha levam em consideração principalmente quem tem mais condições de se recuperar, embora a idade também possa ser um fator avaliado. Um indivíduo mais jovem que outro, por exemplo, pode ter uma expectativa de vida menor por ser portador de outras comorbidades ou doenças crônicas.
Ciente da possibilidade de que em algum momento essa dolorosa "escolha de Sofia" tivesse de ser feita, o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) aprovou um protocolo para regulação dos leitos de UTI, caso um dia chegasse o temido colapso do sistema de saúde, como se assiste agora. Na primeira versão, do final de maio do ano passado, a questão etária era contemplada, mas uma revisão, publicada poucos dias depois, excluiu corretamente esse critério para auxiliar na classificação dos pacientes que teriam prioridade. "Entende-se que a análise deva ser feita levando em consideração as particularidades de cada caso", diz trecho da resolução do Cremers que serve como auxílio para a tomada de decisão dos médicos reguladores e intensivistas, embora admita que o tema da idade do paciente gera uma discussão ética importante.
A SBGG-RS lembra a existência de pesquisas apontando o quadro de saúde de uma pessoa até a internação como fator significativo para a avaliação da possibilidade de sobrevivência. Assim, a idade não pode ser um fator isolado para a decisão sobre quem terá chances maiores de recuperação por ser levado a uma UTI. O próprio Conselho Federal de Medicina tem uma resolução de 2016 sobre unidades de tratamento intensivo em que não aborda o ponto etário como critério. A realidade, no entanto, é que não há leitos para todos. Diante do quadro com maior necessidade do que oferta de vagas e da perspectiva de aumento dos casos de covid-19 nos próximos dias, o verdadeiramente vital, agora, é tomar todos os cuidados possíveis, como evitar aglomerações, usar máscara corretamente e fazer sempre a higienização das mãos para diminuir contágios e a pressão sobre os hospitais.