Por Igor Oliveira, consultor empresarial
Quem cresceu no interior na década de 1990 lembra que, em jogo contra time grande, o viés da arbitragem em favor da Capital (e do capital) era escrachado. Fazia parte do espetáculo: era como assistir a um gladiador contra 30 homens armados. O exercício da moralidade, ou a falta dele, ficava na conta do juiz, que tinha que aguentar os xingamentos.
Com o VAR, isentaram-no dessa responsabilidade. Mesmo que digam que a decisão final ainda acontece em campo, a verdade é que o julgamento passa a ocorrer em uma instância que tudo vê. Isso faz com que atletas e árbitros não precisem exercer qualquer princípio ético. Passam a comportar-se como aqueles motoristas do interior que só obedecem a sinalização luminosa ou a presença de autoridade. Se você precisa atravessar uma via vazia, sem travessia sinalizada, eles não vão parar em hipótese alguma, mesmo que você já esteja no meio da pista. Se ninguém viu, não aconteceu.
Como todo mundo pode ver as imagens do VAR, o viés em favor dos times mais ricos fica ainda mais escrachado. O nível de hipocrisia supera o interiorano e chega ao soviético. Até hoje, quando a Rússia conduz alguma operação, seja para eliminar um traidor ou testar uma tecnologia, seus serviços de inteligência fazem questão de deixar algum rastro. É uma demonstração de força velada: o presidente depois nega envolvimento com aquele sorriso no canto da boca.
O governo federal sabota as ações de estados e municípios para depois poder culpá-los
Da mesma forma, jogadores e dirigentes da equipe vencedora admitem, nas entrelinhas, algum desequilíbrio, porém envolvem essa mea culpa em uma narrativa sobre o clube ser mais forte em todos os aspectos - do técnico ao político, passando pelo financeiro e pelo jurídico.
Assim como muita gente desiste de fazer negócios com nações que usam esse tipo de retórica, muita gente vai desistir do futebol, ou vai diminuir drasticamente seu engajamento com ele. Enquanto não houver uma reforma das instituições do futebol, não pago um centavo por qualquer produto relacionado a ele.
É o custo econômico da hipocrisia, que assola o Brasil em tantas esferas.
O governo federal sabota as ações de estados e municípios para depois poder culpá-los. Deixa rastros para demonstrar poder. Quem paga a conta são as famílias destruídas. Todo mundo está vendo. Nosso VAR é a contagem nacional de mortos. Nosso Putin todo mundo sabe quem é, com aquele sorrisinho de quem tudo pode.