A derrubada pelo Facebook de 73 contas ligadas ao clã Bolsonaro, a aliados e a integrantes do gabinete presidencial tem uma dimensão política cuja amplitude somente aos poucos está sendo desvendada. A mais evidente é de que há um articulação em torno de Jair Bolsonaro – ainda não se sabe se envolvendo dinheiro público e de conhecimento ou não do presidente – para forjar ataques a adversários e instituições da República.
A atitude do Facebook pode representar um ponto de inflexão das redes, que vêm sendo progressivamente contaminadas por distorções que levam à corrosão da democracia
A decisão do Facebook pode ou não estar associada à pressão internacional para que aja diante do constante fluxo de desinformações e discursos de ódio em suas páginas, mas isso não muda o ato histórico de a maior rede social do planeta ter assumido o risco político de nocautear perfis identificados com a Presidência da República de uma nação estrangeira. O Facebook, é verdade, tomou cuidados extras. Primeiro, recorreu a um laboratório de pesquisas para seguir a trilha suspeita. Depois, para tirá-las do ar, não se valeu de análise de conteúdo, mas levou em consideração comportamentos que violam suas regras, como a falta de autenticidade das contas.
O banimento também começa a trazer à tona o modus operandi do chamado "Gabinete do Ódio", que atua nas proximidades da sala presidencial, e expõe à luz investigações que já estavam em andamento na CPI das Fake News e no inquérito que se desenrola no Supremo Tribunal Federal (STF), comandado pelo ministro Alexandre de Moraes.
No vasto oceano de trapaças digitais, a derrubada de contas no Facebook e no Instagram com menos de 2 milhões de seguidores no total é um gesto mais simbólico do que efetivo para conter a rede que se forma em diferentes esferas para influenciar de forma imoral o debate político, valendo-se da artificialização de uma opinião pública manejada por robôs e falsidades a granel.
O uso suspeito das redes, é importante ressaltar, não se limita ao bolsonarismo. No mesmo dia, o WhatsApp, que pertence ao Facebook, tirou do ar nove contas ligadas ao PT com o argumento de que faziam disparos em massa, como máquinas de spam político. Armas semelhantes, portanto, nas duas trincheiras ideológicas.
A atitude do Facebook pode representar um ponto de inflexão das redes, que vêm sendo progressivamente contaminadas por distorções que levam à corrosão da democracia, como se constatou, por exemplo, a partir da atuação da Cambridge Analytica. Mas nenhum sistema será à prova de manipulações enquanto a má-fé for a força motriz por trás de muitos dos movimentos nas redes. Por isso, a chamada educação midiática, que reforce a capacidade de distinção de conteúdos falsos de verdadeiros e valorize a pluralidade na formação da opinião, é a solução de longo prazo para que o vírus da desinformação e do ódio não encontre terreno fértil para se propagar.
Em homenagem a sua extraordinária trajetória política, Lula, ainda que marcado pelas condenações em série, poderia ajudar a renovar o discurso e as práticas de um campo relevante da política brasileira composto pela esquerda e pela centro-esquerda. O ex-presidente, porém, optou por se entrincheirar no passado e em uma narrativa na qual deixa entrever ranços e rancores que apenas estimulam a polarização e os extremismos no cenário nacional. Em seu crepúsculo político, o ex-presidente teria credenciais para construir pontes e desarmar espíritos. Não é o que ocorre. Seus adversários no lado oposto do espectro agradecem, porque a cada estocada e radicalização os extremos se fortalecem e se aninham em torno de suas lideranças.