Por Fernando Goldsztein, empresário
Eu fui vítima do terrível vírus. Graças a Deus e aos destemidos e valorosos profissionais da saúde, consegui me recuperar depois de um período de internação hospitalar. Agora, já tendo recebido alta há mais de um mês, vou recuperando, gradativamente, a condição física que tinha antes de contrair a doença. A boa novidade é que agora posso andar na rua tranquilamente, sem medo de infectar ou ser infectado. Estou imune ao coronavírus. Sinto-me livre e sem medo enquanto a maioria esmagadora da população, infelizmente, segue reclusa e assustada e, no caso dos mais vulneráveis, também desassistida e desprotegida.
Esta situação inusitada de isolamento que estamos vivendo me fez lembrar um dia muito marcante da minha vida. Foi nos idos de 1988 num dia ensolarado de verão em Berlim. Naquela época, lá se vão 32 anos, a Alemanha ainda era dividida entre Oriental (comunista) e Ocidental (capitalista). O famoso muro de Berlim cortava a cidade desde o fim da segunda grande guerra, separando famílias e amigos que, em muitos casos, nunca tornaram a se encontrar. Quem ousasse cruzar o muro para tentar fugir do comunismo era fuzilado na hora. Depois de rigorosa inspeção da polícia Oriental, fui autorizado a ingressar no lado comunista tendo recebido o passe de um dia. Existiam muitos países comunistas naqueles tempos. Totalmente fechados entre si, eram conhecidos como os países da cortina de ferro.
Berlim era o único local do planeta onde o mundo comunista e capitalista eram separados apenas por um muro, ou seja, duas realidades completamente diferentes literalmente grudadas uma na outra. Você saía de uma Berlim ocidental vibrante, a juventude alegre nas ruas, vida cultural efervescente, liberdade total de expressão, e do outro lado, entrava num mundo cinzento e sisudo onde tudo e todos eram controlados. Berlim oriental chamava ainda a atenção pela precariedade da oferta. Todos os carros eram da marca russa Lada e a lojas eram paupérrimas. Não era possível encontrar nada conhecido, nem mesmo Coca-Cola ou Pepsi. Logo antes de cruzar o muro, quando retornava para o lado ocidental, observei, ainda no lado comunista, um morador de Berlim oriental debruçado na varanda do seu apartamento olhando o horizonte e comendo uma maçã. Nunca esqueci esta cena. Ele observava, além do muro, um mundo maravilhoso cheio de liberdade, luzes, cores e vibrações mas que não podia ter acesso. Muito triste.
O que estamos vivendo hoje me fez lembrar, de certa forma, aquela experiência em Berlim. No atual isolamento, que já dura mais de 45 dias e não tem data certa para acabar, experimentamos, ainda que numa escala muito menor, um pouco da sensação dos moradores de Berlim oriental. Temos restaurantes, shoppings, cinemas, livrarias e parques, porém não temos acesso a nada. Não podemos nem mesmo conviver com pessoas que nos são queridas e nem aproveitar nada ao nosso redor. O vírus criou um muro virtual entre nós e o mundo que nos cerca. Ficamos a olhar o horizonte das nossas janelas e varandas. Tempos estranhos estes. Nos fazem experimentar sensações longínquas, só vistas em tempos de cortina de ferro.