Por contrariar a regra geral da já tradicional queda de braço sobre o reajuste das tarifas de ônibus a cada ano, o original conjunto de medidas apresentado pela prefeitura de Porto Alegre para subsidiar as passagens sem onerar os cofres públicos chama a atenção de outras grandes cidades do país. A série de propostas merece uma discussão séria, livre de questiúnculas políticas e eleitoreiras, sobretudo por tratar-se de um custo significativo para a população de renda mais baixa.
Os vereadores de Porto Alegre precisam encarar a proposta mirando o futuro da cidade, e não as eleições de outubro
Mantido o quadro atual, o sistema ruma para a falência. Ano a ano, os coletivos da Capital perdem passageiros, minando a sustentabilidade financeira. O resultado é um transporte precário, renovação de frota abaixo do previsto e passagens mais caras. Grande parte do ônus recai sobre a população com menos recursos, que não tem veículo próprio e não pode usar aplicativos de transporte no dia a dia. A classe média, em regra moradora das zonas mais centrais da cidade, recorre aos aplicativos para se deslocar, com um custo relativamente semelhante ao que pagaria pelo ônibus, mas com maior segurança e conforto.
O problema se repete em outros importantes municípios do Estado, como Caxias do Sul. A atual concessionária alega ter perdido 39% dos passageiros na última década e, por isso, pede reajuste na tarifa de R$ 4,25 para R$ 4,91. Técnicos da prefeitura, entretanto, sugerem R$ 4,65. Na cidade serrana, uma das alternativas é ter mais de uma empresa operando a malha.
No caso de Porto Alegre, mesmo que o pacote seja passível de ajustes, é fato que os projetos apresentados pelo prefeito Nelson Marchezan vêm despertando a atenção por representar uma das poucas ideias originais neste campo nos últimos anos. Ganhou elogios inclusive do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), uma das mais respeitadas organizações do ramo no país, embora a entidade também faça ressalvas. É defensável, por exemplo, revisar o alto número de isenções, hoje em cerca de 30% dos usuários. O espírito a guiar esta correção é o de que, quem pode mais, deve pagar mais.
Pode ainda ser considerada conveniente a cobrança de uma taxa pelo uso de aplicativos de transporte individual. É algo que a cidade de São Paulo já instituiu e inspira outras prefeituras. Existe impacto no preço final pago pelo passageiro, mas é suportável pelo bolso dos clientes. E é uma forma de se fazer justiça social, ao direcionar esta arrecadação para subsidiar o custo das passagens pago pela população mais humilde.
Outras medidas podem ser mais polêmicas e de difícil implementação, como o pedágio para veículos com placas de outras cidades. Muitos moradores da Região Metropolitana trabalham em Porto Alegre ou prestam serviços na Capital. Mesmo assim, é preciso debater as propostas e, se for preciso, aperfeiçoá-las. A gravidade da situação exige saídas criativas. A tarifa da Capital, de R$ 4,70, é uma das mais altas do país, mostrando que não é possível permanecer de braços cruzados. As empresas querem aumento para R$ 5,20, o que apenas realimentaria o atual círculo vicioso.
O projeto que previa a redução gradual de cobradores acabou rejeitado pelos vereadores, o que também expôs a fragilidade do apoio a Marchezan no parlamento. Os vereadores, entretanto, precisam encarar a proposta mirando o futuro da cidade, e não as eleições de outubro. A Câmara de Vereadores marcou para os dias 5 e 16 de março as audiências públicas para tratar do tema. É a oportunidade para que a sociedade possa compreender as ideias e discuti-las.