Por Madgéli Frantz Machado, juíza do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Porto Alegre
Episódios como a cena do beijo protagonizada por vítima de tentativa de feminicídio e réu há poucos dias no salão do Tribunal do Júri em Venâncio Aires, mobilizam a imprensa, e as redes sociais são imediatamente ativadas, multiplicando-se julgamentos e adjetivos que desqualificam a vítima. Não há juízo crítico da violência praticada, mas de pronto chamam-na de "burra", "sem noção", "louca", "só matando", "mulher é bicho desgraçado". Parem, por favor! Mulher é ser humano, de carne e osso e tem sentimentos!
É necessário compreender as especificidades da violência doméstica e familiar contra a mulher, a violência de gênero, que tem sustentação em uma sociedade machista, patriarcal e desigual, permeada por outro diferencial: o ciclo da violência. O ciclo que a aprisiona: pedidos de perdão, reconciliações, violências, produzindo sentimento de culpa na vítima que, ao mesmo tempo, nutre esperança na promessa de "dias melhores". Afinal, aquele que a agride, em outros contextos também a afaga e a protege. Também é pai de seus filhos e não seria capaz de lhe tirar a vida.
Talvez por isso grande parte das mulheres tem dificuldades para identificar as violências e se reconhecer como vítima, sendo esse um grande desafio para todos nós. Qualquer uma de nós, mulheres, cis ou transgênero, mais ou menos letradas, com maior ou menor poder aquisitivo, pode ser vítima dessa violência brutal. Parem de julgar as mulheres!
Julgamentos como esses, replicados, reforçam estereótipos de discriminação, desvalor e subordinação das mulheres em relação aos homens. A culpa não é da vítima! Em vez de julgamentos, precisamos respeitar, reconhecer seus sentimentos e compreender atitudes que colidem com nossas expectativas. Precisamos encorajar as mulheres a denunciar as violências. Medidas protetivas salvam vidas!
Precisamos, enfim, investir na prevenção da violência, desde a educação, no aprimoramento do sistema de justiça e na efetivação de políticas públicas de assistência e de saúde mental, para acolher e tratar a vítima e também o autor da violência, viabilizando, assim, o processo de mudança necessário à libertação do ciclo e à transformação da sociedade.