Por Ronaldo Hallal, médico infectologista, coordenador-geral de Cuidado e Qualidade de Vida do Departamento de Aids do Ministério da Saúde entre 2011 e 2013
O avanço civilizatório consolidou políticas na saúde e educação, apoiadas na ética e em evidências científicas consistentes, que impulsionaram a educação sexual nas escolas. No entanto, o tema da gravidez na adolescência é fortemente influenciado por convicções morais e religiosas, refletidas na proposta de abstinência sexual, representada pelo programa Penso Duas Vezes, proposto pelo governo federal.
No período 2004-2013, o governo dos EUA – sob influência de grupos religiosos – financiou programas na África que recomendavam a abstinência sexual em lugar do uso de preservativos. Em 2012, o Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA avaliou que essa medida gerou custo de US$ 1,4 bilhão, não postergou a iniciação sexual, nem reduziu a transmissão do HIV ou a gravidez na adolescência, razões que levaram ao seu abandono pelos EUA em 2013.
Uma revisão de pesquisas realizadas entre 1998 e 2007 identificou que a adoção da educação sexual para adolescentes reduziu a atividade sexual em 12%, o número de parcerias sexuais em 14%, o sexo sem preservativos em 25%, as infecções de transmissão sexual em 31% e a gravidez em 11%. A recomendação de abstinência sexual, por sua vez, foi ineficaz, produzindo resultados inconsistentes.
Resultados semelhantes foram encontrados em estudos com jovens de 66 países de baixa e média renda – assim como o Brasil – no período entre 1990 e 2010. A educação sexual nas escolas aumentou o conhecimento sobre transmissão do HIV, uso de preservativos e recusa por sexo; reduziu o número de parcerias sexuais e postergou a iniciação sexual. Novamente, recomendar abstinência sexual não produziu efeitos.
Na dimensão econômica, a prevenção da gravidez e de doenças na adolescência, decorrente da educação sexual, mostrou-se custo-efetiva para a sociedade, resultado também demonstrado em pesquisas recentes.
Neste contexto, sociedades médicas, Nações Unidas e comunidade científica recomendam a educação sexual nas escolas para prevenir a gravidez na adolescência.
Não cabe ao Estado decidir o momento da iniciação sexual. Políticas públicas têm o dever de fornecer informações cientificamente validadas, garantir acesso a oportunidades de prevenção da gravidez, como métodos contraceptivos, e contribuir para a autonomia dos jovens, respeitando a diversidade religiosa, ideológica, social, sexual e cultural, o que inclui a possibilidade da abstinência e a postergação da iniciação sexual, não como imposição, mas como opção.