Por Ely José de Mattos, economista e professor da Escola de Negócios da PUCRS
Enquanto escrevo, a Câmara de Vereadores de Porto Alegre está em polvorosa na sessão extraordinária para votação de um conjunto de projetos de mobilidade urbana submetidos pelo Executivo, chamado de Transporte Cidadão. São cinco projetos que têm o intuito, segundo a prefeitura, de reduzir a passagem para até R$ 2 em 2021.
A ideia geral do pacote está alinhada com as melhores práticas de mobilidade urbana ao redor do mundo. Existe a escolha explícita pelo ônibus como modal central. Para que isso se viabilize, é necessário gerar um conjunto de incentivos para que a sociedade se organize em torno desse objetivo. É necessária uma regulação específica, que não é simples ação de livre mercado, ou uma desregulamentação geral, mas intervenções pontuais e planejadas no sistema de mobilidade como um todo.
Para me explicar, tomemos como exemplo o projeto de taxação dos aplicativos. São dois pontos. De um lado, obter recursos para subsidiar a passagem (subsídio é fundamental nos sistemas de mobilidade mundo afora); de outro, gerar pequeno desincentivo ao uso de um modal que não é o melhor para a cidade – ônibus é sabidamente melhor, por diversas razões que vão da organização do trânsito ao meio ambiente.
Então, sim, a regulação interfere no mercado para atingir determinados objetivos que ele, sozinho, jamais alcançaria. Ah, mas alguém paga, você diria. Sim, sempre alguém paga! A questão da política pública para transporte é justamente estruturar o sistema e definir quem paga mais e quem paga menos, tendo no horizonte um modelo de mobilidade que seja socialmente justo e eficiente na sua função.
Acontece que o projeto foi submetido em regime de urgência, no recesso parlamentar. Do ponto de vista técnico e político, isso virou um problema, pois não permite discussão ampla com a sociedade, abreviando o processo democrático. Também não foram apresentados estudos de impacto para além do valor da passagem, o que deixa o flanco aberto para críticas. Ainda, o papel das empresas de ônibus não é discutido no pacote.
Me parece que estamos diante de uma grande oportunidade de modernizar a estrutura do transporte público de Porto Alegre. Só que o processo está, de fato, torto. Ainda assim, penso que cabe aos vereadores tentarem tirar o melhor possível desse projeto, nas condições dadas. Ignorá-lo por completo por questões políticas é abrir mão de melhorias possíveis.