Por Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
No picadeiro que tomou conta do Brasil, as notícias e os fatos são substituídos por narrativas e jogos de cenas que deixariam os fundadores do Teatro do Absurdo, criado para a denúncia dos horrores da Segunda Guerra, encabulados. Suas técnicas, que exploram os limites da ação racional, são agora usadas pelo Governo Bolsonaro para desconstruir as conquistas civilizatórias e uma ética pública baseada no respeito às leis e na garantia de direitos. O absurdo desta semana, que variou em torno do debate sobre excludente de ilicitudes em Operações de Garantia da Lei e da Ordem, sequestrou 16,5% da cobertura da imprensa sobre a área entre os dias 25 e 28 de novembro, de acordo com dados inéditos do Boletim Fonte Segura, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Pouco foi dito, no entanto, sobre o fato de que, por trás deste novo factoide, Bolsonaro usa descaradamente os policiais brasileiros e membros das forças armadas para o seu projeto de poder, mas, no fundo, ele defende tão somente e acima de tudo a si e aos seus filhos. Se de fato o presidente estivesse preocupado, ele incentivaria uma ampla discussão sobre reformas das polícias, proteção e valorização dos policiais. O debate sobre exclusão de ilicitude é falso e só serve para deslocar as atenções dos nossos reais problemas.
Em termos jurídicos, o ato de uma pessoa matar a outra, independente da causa, é tipificado no nosso Código Penal como homicídio. E, em situações em que esta morte for cometida em legítima defesa de si próprio ou de outrem, o autor não será punido. A legislação brasileira já é clara ao prever que esses casos, após investigação isenta, poderão ter a "ilicitude" afastada e não existir a punição prevista. Este afastamento não muda o tipo penal, apenas retira os efeitos punitivos da legislação. E, para que isso possa acontecer, é fundamental que a decisão do Poder Judiciário, que é quem deve decidir se a punição será afastada pela excludente de ilicitude ou não, seja precedida de um isento e transparente trabalho de investigação.
Casos que resultam em morte são possíveis na atividade policial e intervenções das forças armadas. O que não podemos concordar é com os argumentos que liberam o uso letal da força sem controle ou supervisão. Choca a falta de pudor democrático do atual governo, mas choca mais o risco de parcelas da população normalizarem tantos absurdos cotidianos.