Por Rubem Penz, escritor, músico e publicitário
As pichações quando em muros, paredes, fachadas, portas de lojas ou de garagens, mais ainda quando em faces bem conservadas, já me causam um desconforto quase insuportável. Porém, no exato instante em que um vândalo decide impingir sua irrelevante marca em um painel artístico, monumento ou prédio de relevância arquitetônica, o nível de indignação cruza a fronteira da tolerância e o desejo de justiça – sejamos mais claros: punição – transcende a razão e ganha ares emocionais. Em miúdo senso: dá vontade de dar uns cascudos. E me entristeço imediatamente por saber que isso não funcionaria.
Pensando a cidade inteira como um só corpo, as iniciativas de vandalismo se assemelham ao ímpeto urgente e desesperado de automutilação. Sentir-se tão inadequado, tão desconfortável, tão sofrido que a dor aparece como um alívio, um afrouxamento. Pedido de atenção, grito de alerta e, no extremo, prazer. Tudo isso torna a prevenção muito difícil, pois é uma ação disparada por fatores diversos, sintomas confusos e relações conflituadas. Como convencer alguém da estupidez da automutilação, quando se ver sangrar conforta? Pior: quando dar valor à imolação – até mesmo ao ser condenada – empodera?
Quisera eu a chance de ser lido por quem acredita ter a pichação algum ganho além da chaga exposta. Pediria que esse alguém, ao menos uma vez, oferecesse o mesmo tempo e engenho acompanhando um dos inúmeros trabalhos voluntários direcionados àqueles que sofrem com doenças, miséria e fome. Ou seja, experimentasse o poder do consolo de nossas dores ao suavizar a dor alheia, e não ao impor mais sofrimento – o dinheiro que restaura uma obra pode ser o mesmo que faz falta em ações sociais. Talvez, ao zelar por desvalidos, isso faça com que o pichador nem precise da minha ajuda, ou da ajuda de outro alguém, para mudar o rumo de sua vida.
Sim, muita impotência... A cura para a automutilação deve partir de si.