Por Tiago Halewicz, diretor cultural da Casamundi e especialista em cultura polonesa
Um ano depois, o Prêmio Nobel de Literatura de 2018 foi concedido na manhã deste dia 10 pela Academia Sueca à escritora Olga Tokarczuk. Assim, a língua polonesa chega ao seu quinto Nobel, e Tokarczuk entra no seleto grupo de Henryk Sienkiewicz (1905), Władysław Reymont (1924), Czesław Miłosz (1980) e Wysława Szymborska (1996), fenômeno que recolocou a poesia no ranking dos mais vendidos.
Nascida em Sulechów, no oeste da Polônia, em 1962, Olga Tokarczuk graduou-se em Psicologia pela Universidade de Varsóvia. Trabalhou como terapeuta até a ficção ocupar espaço vital no seu trabalho. Debutou na literatura como poeta em 1989, momento crucial da história do país, que experimentava uma eleição livre pela primeira vez, após a Segunda Guerra, e se reinventava com a queda da Cortina de Ferro. Em 1993, estreia na prosa, com Podróż ludzi Księgi (Viagem do Povo do Livro), obra que lhe deu visibilidade e definiu seu gosto por usar a literatura para dar voz a personagens ou situações errantes, que revelam uma natureza anormal, monstruosa e até repulsiva.
Desde que a Polônia experimentou pela primeira vez o dissabor da inexistência como Estado independente, no fim do século 18, a literatura no idioma polonês exerceu continuamente função essencial para a sobrevivência da sua identidade cultural. As letras se ocupavam com a difícil tarefa de discutir tal situação política, mesmo que em metáforas, e dar voz aos camponeses, ao proletariado que surgia após a segunda Revolução Industrial e às amarguras de um povo que vivia subjugado a nações estrangeiras. E foi assim por 123 anos, até o fim da Primeira Guerra, em 1918. Em 1945, vem um novo desafio. A terra arrasada pela Alemanha de Hitler amarga na órbita da URSS até 1989. E mais uma vez, os poloneses buscaram na prosa e na poesia um espaço quase mítico, transcendental e livre para driblar as adversidades da sua existência.
Hoje, quando comemoramos o Nobel concedido a Olga Tokarczuk, a situação da República da Polônia é outra. A nação de 38 milhões de habitantes tem economia estável, investimentos estrangeiros e uma crescente e visível melhora no campo da infraestrutura. Entretanto, tendo em vista as políticas do governo atual – sem deixar de lado seu alinhamento com a Igreja Católica e os valores nacionalistas –, paira sobre os poloneses atmosfera sem empatia com as minorias sociais (em especial imigrantes e grupos LGBT+), o que já fez do país alvo de críticas do Conselho de Direitos Humanos da ONU em 2017. Nesse contexto, os holofotes do Nobel se voltam para Olga Tokarczuk, uma crítica do governo, uma escritora que instiga a considerar caminhos alternativos e tudo aquilo que desvia da norma.
Celebramos hoje o Nobel de Literatura para Olga Tokarczuk, prêmio merecido e necessário, "por uma imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida".