Por Juliana Della Valle Biolchi, Advogada, especialista em Direito Empresarial
As tragédias de 2019, que deixaram o Brasil perplexo, têm algo em comum: resultam diretamente do descumprimento de regras jurídicas. Brumadinho, Flamengo, Boechat e Gabriel Diniz são vítimas do "jeitinho brasileiro". Em todos os casos, executivos tomaram decisões que burlaram regras, trabalhando à margem da lei. Apostaram que "não ia dar nada" (a velha cultura tupiniquim). Mas, deu. Pagaram para ver, e hoje têm sangue nas mãos.
Em Brumadinho, já se sabe que o risco de rompimento era conhecido. No Flamengo, não havia alvará. O helicóptero de Boechat e o avião de Gabriel não tinham autorização para transporte de passageiros. O poder público falhou na fiscalização? Sim, é fato! Mas a abordagem do tema precisa ir além disso.
Essas situações não devem virar história sem deixar uma importante reflexão: o mundo corporativo não pode dar-se ao luxo de descumprir regras apenas porque aparentemente não são exigidas. Leis e normas existem por algum motivo. Na pior das hipóteses (quando esdrúxulas), são resultado de um processo legislativo. Na melhor, resulta de preocupação legítima e que impacta na realidade.
É difícil empreender no Brasil, pois o sistema joga contra. Mas há mecanismos técnicos de adaptação ao modelo jurídico que podem e devem ser acionados. A mitigação de impactos nos negócios só vem com sistemas sérios de autocontrole. Se a empresa não quer vincular-se a perdas, e se os executivos pretendem ter biografias isentas, é preciso muito mais do que a mera observância da lei.
Hoje, disseminam-se os programas de conformidade empresarial, também chamados de gestão de compliance. São propostas para colocar a companhia um passo à frente da falibilidade humana. Há meios institucionais para isso, com resultados concretos, que tratam tragédias noutro patamar: não só as previnem, mas, ocorrendo, mapeiam e atribuem responsabilidades.
A gestão de compliance protege a empresa e, por consequência, a sociedade. Quando o cumprimento das regras também ocorre da porta para dentro de uma organização, poupam-se vidas, meio ambiente, ativos, reputações e investimentos. Todos ganham. Por isso, é hora de repensar a postura frente aos deveres legais, assumir protagonismo e mudar a narrativa da história.