Por Amilton Rodrigo de Quadros Martins, coordenador do InovaEdu, Laboratório de Ciência e Inovação para a Educação, da IMED
Puxada estranhamente pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (em vez de o Ministério da Educação), a Medida Provisória do homeschooling (educação domiciliar), sob o pretexto de liberdade de escolha, encontrou a solução para qualificar a educação brasileira: tirar as crianças da escola.
O modelo já funciona muito bem em países desenvolvidos, com taxas de analfabetismo perto de zero e alto desenvolvimento humano, e vem dar voz a pouco mais de 15 mil estudantes, segundo a Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED), deixando no vácuo mais de 50 milhões de alunos que esperam uma resposta de aprimoramento da educação formal, que em muitos casos é a única chance de romper ciclos de pobreza.
A grande motivação dos defensores do modelo, seria a violência e o bullying sofrido pelos estudantes, além de incompatibilidade moral e religiosa das famílias com o sistema escolar. Mas será mesmo? Ou seria um processo de salvamento seletivo para um modelo educacional moribundo? Para reflexão, lembro dos quatro pilares da Educação para o Século 21 da Unesco: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser.
Nessa rica e contemporânea visão de educação integral, estão presentes habilidades cognitivas e socioemocionais. As cognitivas, dão conta dos multiletramentos, como leitura e escrita do mundo, habilidades mais técnicas e mecânicas, mas imprescindíveis para qualquer pessoa ser produtiva e independente na sociedade atual. As socioemocionais tratam justamente de aprender a viver com os outros e aprender a ser, desenvolvendo empatia, valorização da diversidade, resiliência e percepção do outro como seu par, temas que podem ser colocados em segundo plano no homeschooling, criando um hiato social irreparável em toda uma geração.
Temos problemas gravíssimos na educação brasileira, que geram falta de percepção de valor pelos jovens, crianças e famílias de diversas classes sociais. Mas, se o barco está furado, precisamos nos concentrar em consertá-lo e não oferecer salva- vidas para quem pode, enquanto olham de longe o barco naufragando com 99,9% dos passageiros agonizantes.