Por Anelise Coelho Nunes, doutora em Direito e consultora da Rede Metodista de Educação
A expressão atribuída a Nicolau Maquiavel, de que "os fins justificam os meios", em vista de uma interpretação – quiçá equivocada – de sua obra "O Príncipe", procura fundamentar o uso de quaisquer expedientes em prol de um resultado supostamente legítimo.
Sob essa análise, o evento ocorrido em 22 de maio em um shopping center de Cuiabá, denominado "Adoção na Passarela", organizado pela Comissão da Infância e Juventude da seccional do Mato Grosso da Ordem dos Advogados do Brasil e pela Associação Mato-Grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (AMPARA), foi alvo das mais diversas críticas. Crianças e adolescentes de quatro a 17 anos, aptos a serem adotados, devidamente "produzidos", participaram de um desfile para eventuais interessados.
As críticas permearam principalmente a iniciativa de tratar as crianças como objeto de apreciação, pela exposição e mercantilização dos infantes, disponíveis como produtos a serem adquiridos.
Por outro lado, a possibilidade de adoção dessas crianças e adolescentes torna-se mais distante conforme o avanço da faixa etária, uma vez que os adotantes detém preferência pelos recém-nascidos e crianças de até dois anos de idade. A própria fundadora da AMPARA, Lindacir Bernardon, ao incentivar a continuidade do evento, afirma ter conhecido dois de seus três filhos adotivos, em 2017, pela participação no desfile, comentando que o evento é eficaz para promover a visibilidade de crianças e adolescentes também já maiores.
Certamente há que levar-se em conta a grande vulnerabilidade – na qual o cuidado e o bom senso são imperativos – desses seres humanos em formação, extrapolada nas dimensões que avançam às circunstâncias que vivenciam essas crianças e adolescentes, assim como uma imensa expectativa de acolhimento, de amar e de ser amado.
Mas, se ao menos uma dessas crianças tivesse sua vida transformada, os fins justificariam os meios?