Por Lara Ely, jornalista, mestre em comunicação e criadora da @ecohistorias
Empreender sendo mulher é uma tarefa carregada de desafios paradoxais. Assumir um propósito pessoal, trocando o pré-estabelecido pela construção de um propósito real, exige superação, independente do gênero.
Para as mulheres, pesam alguns extras: o lugar comum de que o cuidado é feminino, o julgamento exagerado da estética, a disparidade salarial, as ameaças de violência, a maternidade muitas vezes desassistida, a indecência de olhares e comentários. Ainda assim, falar sobre empreendedorismo feminino chega a soar como redundância, pois quem nasce preparada para alimentar a prole e é ensinada a prestar atenção no outro, traz em si competências primordiais para os negócios: criatividade, persuasão, espírito inovador.
Desde menina, temos de aprender a barganhar a auto-realização. Quando uma de nós se torna mãe, dar conta do recado é premissa inquestionável. É preciso lembrar, no entanto, que o poder de escolha está em si e blindar-se para que não nos roubem esse direito.
Recente sucesso na Netflix, a série Coisa Mais Linda retrata essa realidade, com episódios que misturam conservadorismo paulista dos anos 50 com a leveza da boemia carioca. Traída, roubada e abandonada pelo marido, a protagonista Maria Luíza (Maria Casadevall) sonha em transformar o restaurante da família em um clube de música, e para isso, enfrenta assombros do moralismo vigente. Sua ousadia e eloquência são decisivos para consolidar o negócio, mas é válido lembrar a frase que ela ouviu da parceira e sócia (negra e moradora da periferia) Adélia (Pathy Dejesus): "você sempre teve o direito de escolhas, eu não", em alusão às oportunidades galgadas pela jovem branca. O jeitinho da dupla para driblar adversidades e levantar o negócio é típico de quem enxerga longe. Com isso, a trama dá um tapa de luva no preconceito, reforça o poder da rede de confiança e superação de diferenças em nome do desejo de protagonizar a própria história.