Por Fernanda Bastos, jornalista, escritora e editora geral da Figura de Linguagem
A crise econômica e a corrupção também afetaram as escolas de samba do Rio de Janeiro. Ainda que menos luxuoso, o carnaval obteve grande visibilidade midiática e engajamento nas ruas e redes. A Estação Primeira de Mangueira homenageou lideranças negras, indígenas e pobres em seu enredo. O mote era o apagamento das pessoas que fundaram a nação e que, mesmo depois de violentadas e escravizadas, seguiram como a força de trabalho e o espírito cultural dessa terra.
Entre as homenageadas, estava Marielle Franco, vereadora carioca assassinada há um ano, em emboscada que ganhou repercussão internacional e cujos responsáveis até agora seguem desconhecidos. O desfile motivou comentários criticando a homenagem e a própria Marielle, atacando inclusive um suposto novo engajamento político do carnaval. Outros insatisfeitos lamentaram a suposta falta de comoção com a morte de Anderson Gomes, motorista que também foi vítima das balas direcionadas à parlamentar. Quem deseja esconder que o Brasil opera uma política de extermínio a sujeitos negros, LGBTs e favelados diz que "todos os assassinatos são políticos", que o assassinato de Marielle é mais um crime ou até que é "um cpf a menos".
Desde a morte de Marielle, o luto coletivo tem irritado pessoas que não se sentem sensibilizadas por essa vida. As fake news demonstram a rejeição ao fato de que Marielle era uma parlamentar negra, favelada, LGBT, com formação sólida e que conduzia um mandato que representava uma união rara entre os poderes e aqueles que eles mais rejeitam. Não era uma mulher comum. Marielle foi um exemplo raro da dupla vitória — individual e coletiva — contra as adversidades do ciclo histórico de desigualdades que opera entre favelados e não-favelados; negros e não-negros; homens e mulheres.
A força de representar mulheres comuns é que faz com que, mesmo morta, Marielle seja vista como um símbolo de luta, e essa sobrevivência é que incomoda tanta gente. Por ela e pela possibilidade de romper com ciclos de silenciamento (e de violência a todas nós), nesse 14 de março o luto coletivo retoma as ruas para se tornar um volumoso, doloroso e resistente clamor por justiça.