Por Dione Kuhn, editora do Grupo de Investigação (GDI), Política, Economia e Geral de GaúchaZH
É sempre bom recorrer ao passado em busca de situações paralelas para tentar entender o presente. E não as encontrar também ajuda a compreender o cenário atual. Tenho achado intrigante o papel desempenhado por Hamilton Mourão. Em agosto, quando aceitou ser candidato a vice de Jair Bolsonaro, a impressão que passava era a de um general da reserva que não media as palavras e era atraído por tudo o que fosse explosivo. No auge da disputadíssima campanha, deixou o titular da chapa em uma saia justa ao criticar o pagamento do 13º e do adicional de férias do trabalhador. Bolsonaro precisava conquistar aquele eleitor que, apesar de ter ojeriza ao PT e não enxergar esperança nos demais concorrentes, desconfiava da sua capacidade de governar um país. Ter serenidade, portanto, era essencial.
O vice é alguém que está permanentemente de plantão. Se o titular sofrer impeachment – a exemplo de Fernando Collor e Dilma Rousseff –, adoecer, viajar ou mesmo morrer, o vice será chamado. Mas, enquanto não for, o que faz um vice? Vai depender do seu perfil. Presidente, governadores e prefeitos gostam de vices discretos, que não incomodem, não façam sombra. No máximo, sejam conselheiros e contribuam em momentos de crise.
O leitor consegue, em 30 segundos, lembrar quem foi o vice de Fernando Henrique Cardoso no primeiro mandato? E no segundo? Lembrou? Se não conseguiu em 30 segundos, é porque o vice de FHC realmente não foi uma figura marcante.
O que pode ter sido bom para o país. Ser discreto não significa ser uma ameba. FHC tinha o vice dos sonhos. Marco Maciel (lembram-se dele?) passou oito anos no anonimato. Nas poucas vezes que falou com a impressa, foi para dizer obviedades. Maciel era assim, protocolar.
José Alencar, o vice de Luiz Inácio Lula da Silva nos dois mandatos, também não deu problemas. Talvez por ser empresário, tinha outras preocupações que tomavam seu tempo. De vez em quando – até para mostrar que havia um vice de plantão em meio à alta popularidade do presidente –, resolvia fazer críticas à política de juros. Uma crítica consentida pelo presidente.
O vice de Dilma tinha vida própria. Michel Temer já era Michel Temer quando aceitou ser vice de uma candidata considerada um poste entre petistas e não petistas. Temer se considerava melhor do que ela.
E Mourão? Continua intrigante, mesmo depois de assumir o posto de vice-presidente. Mas já não passa mais a impressão de um inconsequente. Está mais claro que tudo o que diz e faz é calculado. Na entrevista ao repórter de ZH Humberto Trezzi, deu duas frases que fazem a gente entender melhor o seu papel. “O presidente tem um estilo e eu, outro. Nós nos completamos”, afirmou. Significa dizer, por exemplo, que, enquanto o presidente reforçar o coro dos evangélicos de impedir a liberação do aborto, o vice será a voz que contempla as mulheres favoráveis à prática (mesmo que ele próprio possa ser contrário).
A outra frase que também diz muito de Mourão: “Enquanto o presidente não decidir, todos nós temos de dar nossa opinião”. Ou seja: enquanto não se concretizar a transferência da embaixada do Brasil para Jerusalém, Mourão estará livre para dizer que é um conservador e que o melhor é deixar tudo como está para não comprar briga com os árabes. Enquanto Bolsonaro sustentar que os chineses querem comprar o Brasil, Mourão dirá que o país asiático é um grande parceiro comercial.
Mourão tem vida própria, não presta contas ao presidente. Faz questão de expor suas diferenças. Acena para uma fatia do eleitorado ignorada por Bolsonaro. Até quando presidente e vice conseguirão conviver pacificamente, só o tempo dirá.