Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
A economista Elena Landau, em artigo em O Estado de S. Paulo (30 de dezembro de 2018), aconselha os novos governantes a “privatizar tudo”. Afirma que as empresas estatais foram criadas por “leis anacrônicas”, fruto de “modelo que não deu certo”, pois seguia a “lógica do governo militar”. Esta admitia setores estratégicos, “discurso que é puramente ideológico”. A mensagem subliminar é associar a criação de empresas públicas a autoritarismo e as privatizações à democracia, proposição sem qualquer base nos fatos. Basta lembrar as privatizações nas ditaduras chilena e argentina; e que tornar públicos setores estratégicos foi política apoiada pelo Banco Mundial no Pós-Guerra, na reconstrução dos países democráticos da Europa Ocidental e do Japão, nada específico do Brasil e de seus governos, civis ou militares.
Para a autora, não existem setores estratégicos. Empresas como a Embraer (1969) ou Itaipu (1975) seriam desnecessárias ou surgiriam espontaneamente, dispensando empenho de governantes. O mesmo valeria para os polos petroquímicos daqui e da Bahia, para o Pró-Álcool ou pesquisa em plataformas marítimas – respostas exitosas do governo Geisel ao choque do petróleo. No liberalismo da economista, fabricar aeronaves é tão importante quanto rapaduras; produção de energia e indústria de defesa estão no mesmo patamar de pirulitos. Não existe cadeia produtiva, nem efeito multiplicador, nem elasticidade de importações ou geopolítica. O resto é devaneio autoritário e nacionalista — mera “ideologia” —, usando tal palavra para designar equívoco ou falsa consciência. Claro, seus juízos fortemente valorativos ela não considera ideológicos. Como o fanático que entende sua religião como revelação divina, enquanto a dos outros é crendice ou mitologia. Assim, chega ao paroxismo de prejudicar seu próprio argumento, pois deveria tratar as privatizações segundo critérios e caso a caso, pesando custos e benefícios, com números capazes de convencer adversários e granjear adeptos. Tanto “privatizar tudo” quanto sua antítese, “estatizar tudo”, são dois construtos sem a menor sustentação empírica, generalizações apressadas que reduzem problemas complexos a fórmulas prontas, mais próprias a manuais e a iniciantes. Não é o caso da autora, mas reflete o obscurantismo do atual debate.