Por Luís Gustavo Grohmann, professor, doutor, cientista político
O Estado moderno se organiza com a separação de poderes, cada poder tem um âmbito de atuação autônoma e sua existência é independente, contando com mecanismos de fiscalização e checagem recíprocas. A variedade de distribuição de poderes se conforma dentro das formas típicas: presidencialismos, parlamentarismos e híbridos.
Em estudo sobre presidencialismos por nós realizado em 2001, identificamos que, no Brasil, em situações de forte conflito entre Executivo e Legislativo, não haveria mecanismos para encaminhar uma adequada solução constitucional. Como Executivo e Legislativo têm muita independência e poucos instrumentos de checagem recíprocas, a estabilidade passaria a ser parcialmente derivada da capacidade do Presidente em se aliar com as forças no Legislativo. O multipartidarismo dificulta a aprovação integral da agenda política presidencial no Legislativo. Os presidentes buscam aliados para alcançar maiorias legislativas empregando ações como a distribuição de cargos no governo, a emissão de medidas que favoreçam grupos, a liberação de benefícios para a reeleição dos políticos e até distribuição de recursos vindos de corrupção. A nossa história recente mostra que presidentes indispostos com o Legislativo foram impedidos de maneira constitucionalmente controversa ainda que politicamente sintonizada com correntes na sociedade.
Na Câmara dos Deputados, Bolsonaro necessitará ter aliança com no mínimo 129 deputados para alcançar a menor maioria relativa, e com 256 para alcançar maioria absoluta e no Senado, como menor maioria relativa, 21 senadores, e para maioria absoluta, 41. Para votar matérias constitucionais, o quórum exigido é de três quintos em cada casa legislativa. Descontados aliados e opositores, temos aproximadamente 179 votos em disputa na Câmara de Deputados e 47 no Senado. Bolsonaro terá de conciliar a sua agenda com as correntes parlamentares. Concorrerá para tanto a convergência político-ideológica, fazer bom governo e ter relações amenas com os congressistas.
As dificuldades decisórias impostas ao presidente são intencionais, essa é a arquitetura da separação de poderes, opor poder contra poder para evitar a tirania, conforme Madison, um dos fundadores da democracia norte-americana. A diversidade da representação no Legislativo indica a adequação da democracia consociativa, onde as decisões são tomadas pela pluralidade das forças políticas. No Brasil, o presidente não pode tudo, e isto é bom. Mas quando um conflito agudo e persistente se instala entre Executivo e Legislativo, cria-se instabilidade governativa. Um dos caminhos de solução é o autoritarismo. A democracia atual foi uma criação de sociedades liberais e capitalistas, e tem como fundamentos igualdade política, liberdade de organização e expressão e proteção do indivíduo frente ao Estado. O sistema de governo democrático não apenas normatiza a relação entre os poderes e representantes da sociedade. Garante a não tirania destes sobre a sociedade.