Por Orlando Faccini Neto, juiz de Direito e doutor em Ciências Jurídico - Criminais
Sob a lógica das normas jurídicas pretendo analisar a ideia de facilitação do porte ou posse de armas de fogo, em benefício da defesa pessoal.
Se o termo "permitido" significasse "não proibido", substituindo-o, no milenar enunciado "o que não é proibido, é permitido", teríamos "o que não é proibido, não é proibido", o que, além de evidente, é tautológico.
Por isso, é necessário dar-se ao termo "permitido" significado diverso de "ausência de proibição".
Atuar em legítima defesa é "permitido", sendo o comportamento "justificado". Essa é a doutrina penal, desde sempre.
Mas, matar alguém segue tipificado, por isso, portador de desvalor, mesmo presente a defesa legítima. Não fosse assim, e o exemplo é antigo, a morte de um homem – conquanto em legítima defesa –, equivaleria à morte de um mosquito.
Familiares de um mosquito não choram seu falecimento; os dos homens, sim. Ainda que presente a legítima defesa.
A morte causada num mosquito realiza-se em âmbito juridicamente indiferente, alheio à intervenção normativa. Matar um semelhante tem enquadramento distinto, pois preenchidos os elementos da norma proibitiva – "não matar" –, junto à norma de permissão – a legítima defesa. De modo que tal ação não se dá numa esfera valorativamente neutra.
Daí que a legítima defesa é aceita e tolerada, mas não há de ser estimulada.
Medidas facilitadoras da aquisição de armas, ao fundamento de que as pessoas, assim, exercerão a sua defesa pessoal, contrariam a essência da teoria da legítima defesa. Sem uma teoria consistente, o risco de equívocos é maior.
Ao entregar a solução do conflito penal para todos, sempre haverá quem, na briga de trânsito, na contenda esportiva ou no bate-boca banal, vislumbrará, de arma em punho, razões tendentes à eliminação do outro, invocando a justificativa da defesa legítima.
Confrontar o argumento, referindo o caso americano, exige lembrar que o fundamento da Segunda Emenda radica no facilitar o acesso a armas para a defesa do Estado, ou para que os cidadãos se oponham a um Estado tirano ou despótico; nunca para duelarem entre si.