Por Lúcio Antônio Machado Almeida, professor, mestre e doutor em Direito, advogado
O candidato à vice-presidência da República na chapa de Jair Bolsonaro, general Hamilton Mourão, parece ter contribuído mais ainda para o renascimento de uma antropologia nefasta que parecia estar desaparecendo, a qual teve representantes como Gobineau, Lombroso e, no Brasil, Nina Rodrigues. Segundo o candidato, "essa herança do privilégio é uma herança ibérica. Temos uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena. Eu sou indígena. Meu pai é amazonense. E a malandragem. Nada contra, mas a malandragem é oriunda do africano. Então, esse é o nosso 'cadinho' cultural. "
Podemos tentar buscar identificar resumidamente o que seria esse 'cadinho' cultural em seus aspectos conceituais. Em boa parte dos dicionários, privilégio significa "posição de superioridade". Já a malandragem aparece como "o ato de praticar certas mazelas". Por fim, a indolência aparece como "indiferença e ataraxia".
Logo, "privilégios", "indolências" e "malandragem" guardam, em si, uma hierarquia moral racial que cria normatividade dentro de nossa sociedade há muitos séculos. Apontar como herança dos negros a malandragem e a indolência dos índios, já foi justificativa para o Brasil impor uma política massiva da vinda de imigrantes europeus. Também o foi e, infelizmente, ainda o é, para uma prática sistêmica de violência institucional contra negros e indígenas neste país. Curioso notar que há sinônimos para malandragem como o de "vadiagem" e "vagabundagem", que tristemente entraram em nosso Código Penal de 1890 como forma de racismo estrutural e com o intuito de criminalização da população negra recém saída da condição de elemento servil, a qual, ironicamente, foi responsável pelo excedente econômico produzido neste país.
Por fim, eu, como professor universitário, escritor, advogado, filho de pais negros e, consequentemente, descendente de africanos e, assim como muitos no Brasil, não herdei nem a indolência e nem a malandragem. Somos merecedores de igual respeito e consideração como ensina a boa tradição liberal constitucional no mundo Ocidental.