Por Fábio Bernardi, sócio-diretor de criação da Morya
Em 1982, eu tinha apenas 11 anos recém feitos quando descobri a dor de um coração partido. Quem me deu o fora foi Paolo Rossi, que mandou meu país pra fora da Copa do Mundo. O melhor Brasil que eu vi até hoje foi, justamente, o primeiro que vi. Talvez por isso esta experiência tenha sido tão marcante. E, por causa dela, a Copa do Mundo tenha se entranhado em mim de uma maneira indelével. Desde cedo, entendi que a Copa não é apenas futebol. É um congraçamento de povos e um enfrentamento de nações, um jogo de dimensões políticas e uma arena de marketing, um megaevento de jornalismo planetário e um catalizador único de emoções. Como diz um jingle famoso, a Copa é sempre uma pátria de chuteiras.
A terra é redonda e gira como a bola e eu acredito, como Eduardo Galeano acreditava, que o futebol espelha o mundo. Porque um país não é o seu governo. Uma nação é sua história e seu povo, suas raízes, seus feitos, sua cultura e seu DNA. Um país é sua alma. No futebol, o Brasil é ainda aquele país forte, criativo, alegre e vencedor, presente no nosso imaginário coletivo e ainda ausente da nossa realidade cotidiana. No futebol, como em nenhum outro esporte, o melhor nem sempre vence e a justiça nem sempre acontece. E quem disse que não é assim na vida? Apesar dos zagueiros e políticos truculentos, dos erros da arbitragem e da corrupção, das faltas violentas e da falta de vergonha, ainda podemos vencer. Sempre poderemos, porque o talento e a raça podem superar a força, os esquemas e a politicagem.
Num país como o nosso, com tanta desigualdade, o futebol vence de goleada a discriminação social e racial. Dos onze titulares de Tite, sete foram criados apenas pela mãe, como é comum na realidade brasileira. Mas o futebol os abraça e, ao fazê-lo, também ajuda a construir nossa identidade nacional. Parodiando o escritor britânico Orlando Figes, o futebol nos convida a sondar debaixo da superfície do esporte. Porque o futebol não é uma questão de vida ou morte, ele é muito mais do que isso, como diria o antigo treinador do Liverpool, Bill Shankly. E ele não estava falando do jogo.
Um levantamento feito pelo Instituto Paraná Pesquisas revelou que 77,7% dos brasileiros estavam mais interessados na Lava-Jato do que no mundial da Rússia. Ainda bem, não? Mas há quem não vista a camisa da Seleção porque ela representa o golpe. Estes acabam dando valor a uma instituição de acordo com quem a comanda. Uma confusão que só faria sentido se o Brasil fosse de Temer. Torcer pela sua seleção não é querer a reeleição de quem está no poder. Quem entra em campo é o seu país, não o seu governo ou a CBF. Enquanto você torce, a vida acontece, é claro. Mas ela acontece de qualquer jeito, mesmo enquanto você não torce. Misturar futebol e política é apenas um gol contra.Contra a sua alegria.