Por Renato Kalil, Cirurgião Cardíaco e Professor Emérito do Programa de Pós-Graduação da Fundação Universitária de Cardiologia, Professor Titular do Departamento de Clínica Cirúrgica da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e Coordenador do Núcleo de Cardiopatias Congenitas do Serviço de Pediatria do Hospital Moinhos de Vento
No Rio Grande do Sul, a cada mil crianças nascidas vivas, 11 têm algum tipo de cardiopatia congênita, ou seja, problemas ou anormalidades na estrutura do coração que impedem o funcionamento normal do órgão, podendo levar o pequeno paciente à morte. Isso significa que, somente em terras gaúchas, cerca de 1,5 mil crianças devem nascer com cardiopatia em 2018. Se não forem tratadas, 50% delas vai morrer antes de completar um ano de idade e 80% antes dos 5 anos, segundo estatísticas.
Mas, o assunto deste texto não é triste como parece. Há boas notícias. Uma delas é que a imensa maioria das cardiopatias em crianças é reversível com procedimentos de cateterismo ou cirurgias. O coração com defeitos congênitos pode ser recuperado e sua função normal restabelecida. O índice de sucesso nas cirurgias e nos cateterismos para correção dos problemas é alto e grande parte dos pacientes tratados consegue crescer e chegar a ter uma vida adulta absolutamente normal. Essa correção pode ser planejada desde antes do nascimento, através do diagnóstico precoce, ainda na vida fetal.
O acesso aos recursos da cirurgia corretiva é limitado, no Brasil. A fila de espera para o atendimento dos pequenos cardiopatas é grande. Poucos são os centros especializados nesse tipo de cirurgia, que é bastante específica e requer alto grau de especialização dos profissionais. São poucos os hospitais equipados para esse fim. Estudos recentes mostram que cerca de 60% das crianças brasileiras não conseguem ser tratadas. Na região norte, esse número chega a 90%. A região sul é a menos carente, estimando-se que 30% dos necessitados não consigam tratamento.
Mais uma boa notícia: o Rio Grande do Sul ganha, a partir do próximo dia 15, mais um centro especializado em cirurgia cardíaca pediátrica, capaz de tratar de forma abrangente e eficiente os cardiopatas. O Núcleo de Cardiopatias Congênitas do Serviço de Pediatria do Hospital Moinhos de Vento, atendido por equipe de Cardiologia e Cirurgia Cardíaca Pediátricas estará sendo oficialmente aberto.
Neste estado, o Instituto de Cardiologia e o Hospital Santo Antônio são os hospitais que tradicionalmente mais realizam procedimentos. Isso faz com que as unidades gaúchas recebam pacientes de todo o país em busca de tratamento. O novo centro contribuirá para abrir mais vagas vitais, além de, por sua qualificação, receber pacientes que hoje estão procurando atendimento em outros Estados, como São Paulo, ou mesmo fora do país.
Há mais de 40 anos, a cirurgia cardíaca pediátrica vem se consolidando e aprimorando no Rio Grande do Sul e no Brasil. Contribuiu inclusive com técnicas originais de correção, de aceitação mundial. Pode-se dizer hoje que é uma especialidade amadurecida e capaz de obter os melhores resultados, comparáveis aos dos maiores centros internacionais, quando realizada em instalações adequadas.
Os pioneiros aprenderam a fazer, fazendo. Houve momentos marcantes, desafios realmente enormes. Agora é uma grande alegria ver a continuidade do trabalho iniciado há tanto tempo. O objetivo disso tudo, ao final, é oferecer tratamento a mais crianças. É salvar mais vidas.