Por Gabriel Moro Dariano, advogado e estudante de Ciências Sociais na UFRGS
No filme sueco Força Maior (2014), um pai, hospedado com esposa e filhos em uma estação de esqui, antevendo a letalidade de uma avalanche, põe-se em fuga, deixando a família para trás, onde poderia ser atingida. O desastre, contudo, não se consuma. A recente greve dos caminhoneiros e a sensação de iminente desabastecimento que levou os precipitados a uma corrida por mantimentos encetaram efeitos de afobamento egoísta semelhantes aos da ficção. Restou flagrar nuances do homem em sociedade.
O sucesso humano enquanto espécie, partindo da comunicação pela linguagem consciente, dá-se pelo potencial de organizar-se em coletividade. Este o seu trunfo evolutivo. Através do desenvolvimento econômico, busca concretizar essa capacidade mediante uma distribuição de bens que colmate, tanto quanto possível, as necessidades dos seus integrantes.
O anúncio de mais um aumento de combustíveis seria, na metáfora econômica da divisão do bolo – significante de limitações reais –, menos uma fatia para todos. Mas não foi. Caminhoneiros empoderados lançaram-se a uma antissocial ruptura em benefício próprio. Seguida do alarmismo popular e do seu atropelamento histérico na busca por combustível e outros gêneros vieram o aplauso à violência grevista e o adesionismo irresponsável ao quanto pior melhor como discurso (reducionista) de mudança (como se um bater de pés infantil revertesse uma condição genética).
O que mais pasma é uma percepção geral de legitimidade dessa autotutela: ao revés da dramatização de Força Maior, aqui parece aceitável que o pai abandone a família. Levar 10 sacos de pão deixando outras tantas pessoas sem nada não causa hesitação.
A atual e crescente hiperconexão técnica do tecido social recrudesce o perigo de uma inconsciência do nosso; a omissão de um(ns) em cumprir(em) a sua parte pode dirigir uma comunidade entre situações inéditas de razoável conforto à de extremo caos. O homem em sua contingente vida de relações encontra equilíbrio no tênue vínculo da confiança. Sem a sua mínima guarda, a sociedade estará enferma de severas amoralidade e insegurança.