Existem três questões centrais quando se analisa o futuro da esquerda no Brasil. A primeira, mais elementar, reside no fato de que aqui a esquerda não existe como tal. O que existe é uma plêiade de tendências cujo fator de união são as narrativas pseudorrevolucionárias e pseudolibertárias empregadas com proselitismo político.
Vale destacar que tais narrativas são feitas para boi dormir, já que os mais exitosos – se podemos dizer assim– regimes de esquerda foram cruéis e assassinaram, em seu conjunto, milhões e milhões de pessoas. Direitos humanos, nesses regimes de esquerda, nunca foram respeitados. Tampouco o básico direito de ir e vir.
A esquerda, como conceito, nunca foi lá grande coisa por aqui
No Brasil temos muitas "esquerdas", além do que conhecemos como Partido dos Trabalhadores (PT), um amálgama de tendências criado a partir de uma matriz sindicalista. O que uniu tão díspares tendências de esquerda (maoístas, marxistas-leninistas, eurocomunistas, socialistas, trotskistas etc.) foram a narrativa e a busca pelo poder, e não as ideologias propriamente.
A segunda questão decorre da primeira: a existência de uma narrativa de esquerda. Tal narrativa é muito mais poderosa que os ideais da esquerda no Brasil. A narrativa "Robin Hood" casa bem com a nossa história e com os fundamentos de nossa religião. Não à toa a Teologia da Libertação, que mescla catolicismo e marxismo, proliferou por aqui e em nenhuma outra região do mundo.
A terceira questão para reflexão refere-se ao fato de que as ideias de esquerda no Brasil foram mal importadas. A esquerda, como conceito, nunca foi lá grande coisa por aqui. Houve uma interpretação enviesada das ideias lá de fora e adaptadas aos trópicos a fórceps por uma elite intermediária composta de jornalistas, escritores e professores que colonizou intelectualmente magros setores das Forças Armadas no século passado e setores do funcionalismo público, além de sindicalistas.
Deixando de olhar o passado, tentaremos responder sobre o futuro das esquerdas no Brasil. Temos, grosso modo, quatro veios de esquerdismo: o democrático, que se abriga no PT e no PSB; o trabalhista (sem trabalhadores), no PDT; o socialista, no PT, no PC do B e no PSB; e o revolucionário e antidemocrático, também no PT e, ainda, no PSOL, no PSTU e no PCO.
A ala mais radical nunca foi significava politicamente. Tenderá a continuar assim ou, para ampliar seus horizontes, terá de "desradicalizar" seu discurso. Caso contrário, continuará a ser clube de debate ideológico estéril.
As demais alas enfrentam um dilema. O que fazer com o ex-presidente Lula? Manter seu apoio até o fim e depois se organizar em torno de alguém ou desde já caminhar cada um por si, como parece ser o melhor nos dias de hoje? O que é comum em duas das vertentes mencionadas é a opção pelo personalismo: Ciro Gomes (PDT) e Joaquim Barbosa (PSB) são nomes maiores que seus partidos.
O PC do B, mesmo sob a suspeita de que a candidatura de Manoela D'Ávila deve ficar pelo meio do caminho e apesar de ter caído e/ou estar se aproveitando da armadilha da vitimização de Lula, adota uma postura mais autêntica, ao buscar candidatura e narrativa próprias.
A curto prazo, o futuro das esquerdas depende de dois fatores que estão fora de controle: a questão criminal de Lula e sua permanência na prisão; e o ambiente econômico e social no país. Ambos serão decisivos para determinar o tamanho político das esquerdas no ano que vem.