O uso escuso de dados pessoais presentes no Facebook configura a última versão da formação da privacidade contemporânea. Anos atrás, o programa de vigilância Prism foi revelado para o público, mas o debate sobre esta questão proposto por Edward Snowden arrefeceu para o grande público. Assim, na era de compartilhar experiências em busca da atenção do outro, a sociedade paga um preço alto por não refletir corretamente sobre os atuais fluxos de conversação e as propriedades dos canais utilizados.
Aceitamos termos de serviço de apps sem ler o contrato, sem questionar interesses e processos
O estranhamento provocado por sistemas integrados que exibem produtos e links conforme rastros digitais foi acentuado. O alerta sobre o uso de cookies realizado no início da internet comercial não foi considerado e os eficientes sistemas personalizados nos smartphones acentuaram isso. Trocamos dados pessoais por serviços sem entender o devido valor da compra.
Softwares são elementos sociais e políticos, e, ao refutar a sua compreensão em nome da dificuldade de compreender termos, transferimos para terceiros a responsabilidade da construção da sociedade contemporânea. Aceitamos termos de serviço de apps sem lermos o contrato, sem questionarmos interesses e processos. Neste cenário de um crime perfeito, sem que todos os culpados sejam arrolados no processo, Mark Zuckerberg tornou-se um "vilão" conveniente que expurga a nossa culpa pela falta de uma educação e de um uso ético das ferramentas – mais uma das nossas hipocrisias digitais.
Também são réus a imprensa e o comércio, que colocaram seus bens principais em espaços gerenciados por terceiros em busca de atenção e sobrevivência dos seus negócios, sem propor e, principalmente, manter redes próprias. O balanço positivo de hoje esconde problemas maiores amanhã. A academia falhou ao não ser mais incisiva na proposição de tecnologias, pois precisa empregar seu tempo e conhecimento para encontrar estratégias de sobrevivência da sua pesquisa. Juristas necessitam aprender de fato as dinâmicas online, pois crimes e delitos passaram por upgrades e um bug em uma sentença que não compreendeu a técnica pode ser um erro fatal. Além disso, políticos são coniventes com tais práticas e acabam por usar as redes para a rasa exposição em busca do voto. O Marco Civil da Internet é constantemente ameaçado com debates tortos que escondem interesses escusos.
A falta de uma correta educação para as mídias cobra um preço alto. Discutimos nas timelines, mas não prestamos a devida atenção na forma como a vida digital funciona. É preciso cuidado para que o upgrade deste debate não corrompa ainda mais o desempenho do sistema. A demanda por uma regulação de rede não pode ser disfarce para uma nova forma de censura. Devemos utilizar serviços com algoritmos e rotinas transparentes, também remunerando criadores por produtos pagos que operam de forma justa. Infelizmente, a responsabilidade sobre o uso da internet foi transformada em formulários de reclamação sem respostas humanas – e concordamos com isso.