![Marco Favero / Diário Catarinense Marco Favero / Diário Catarinense](http://www.rbsdirect.com.br/imagesrc/24146562.jpg?w=700)
As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe de morador de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, oficial ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos. Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs.
O sensato parágrafo acima não é meu. É da dissertação de mestrado de Marielle, aquela que não defendia policiais, em 2015. Seu partido e sua ideologia são irrelevantes diante da sua morte, mas ela foi política. Quando se cala uma voz eleita, cala-se a voz dos seus eleitores. E não foi apenas na periferia. Quase metade dos 46 mil votos de Marielle vieram de bairros nobres da zona sul carioca e da Barra da Tijuca. Ela fez 1.027 votos no Leblon e apenas 22 na Rocinha; 2.742 votos em Copacabana e só 50 no Complexo da Maré. Boa parte das favelas vota hoje nas bancadas evangélica ou da bala, as mesmas que a esquerda chama de fascista e de onde vêm aberrações do tipo “quero ver defender direitos humanos agora” ou “ela colheu o que plantou”, que nascem do ódio político e da preguiça de ser cidadão. Como disse Hannah Arendt, quando as pessoas não refletem sobre os fatos, elas se expressam por frases feitas que nos protegem de pensar.
Nos países onde houve avanço nas políticas de segurança, os policiais são instrumentos da garantia de direitos básicos, entre eles a vida e a liberdade. Só uma sociedade doente como a nossa pode achar que direitos humanos só servem para proteger bandido. Quando não faz diferença ter medo do bandido ou da polícia, já estamos condenados. Somos o país mais violento do mundo, com 60 mil homicídios ao ano. E a cada 100 mortos, 71 são negros. Como podemos nos achar um país pacífico ou uma democracia racial? No mesmo dia em que morreu Marielle, morreu também o cabo Luiz Octávio Soares Martins, da UPP Andaraí, o 26° no ano. Não importa se você está na esquerda ou na direita, estamos em guerra e estamos perdendo.
Marielle não morreu por ser favelada, negra, mulher ou vereadora. Morreu por ser enfrentamento, por revelar o poder transformador da educação, por fazer política com coragem e alegria. Seu sorriso é que era desafiador. Morreram com ela um pouco da determinação, idealismo e integridade de um país que precisa entender que ideias podem ser a razão de uma vida, mas jamais de uma morte.