A declaração do ministro da Segurança Pública, em meio à midiática intervenção no Rio de Janeiro, traz à tona o debate sobre o balanço da política de "guerra às drogas". O ministro atribui ao consumo de drogas a causa da criminalidade e surpreende-se com a incoerência daqueles que reclamam da segurança e são usuários do produto que “financia” o crime.
Em 1998, a ONU fez um encontro que tinha como slogan "Um mundo livre de drogas: é possível", todos os países-membros aceitaram. Dez anos depois, o consumo de maconha nos EUA havia aumentado 8,5%, o de cocaína 25%. Hoje, 20 anos depois, a ONU revela que o consumo permanece aumentando proporcionalmente ao crescimento da população. Os EUA, país onde nasceu a "guerra às drogas", são campeões no uso e abuso delas e também no encarceramento da população negra, latina e pobre. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência.
Não há notícia de comunidade humana que não usasse algum tipo de substância psicoativa
BERNARDO CORRÊA
Mestre em Sociologia pela UFRGS
Não há notícia de comunidade humana que não usasse algum tipo de substância psicoativa. Admitir isso nos leva a discutir honestamente qual relação estabelecemos com elas. A desinformação, associada à proibição, e o tratamento penal ao que se refere à saúde (do usuário e da população) geram problemas muito mais graves do que o uso.
Como qualquer empresa capitalista, o tráfico busca proteger seu mercado e, por ser parte de uma economia criminal, o faz por meio de um sistema de contravenções: corrupção, tráfico de armas, de pessoas... retroalimentando a violência. Além do mais, isso não poderia sobreviver sem tentáculos na própria ordem legal e suas instituições. Ao tentar-se proibir o que as pessoas continuarão a consumir, inevitavelmente surge um mercado paralelo e todas as derivações negativas disso, como mostrou a lei seca nos EUA dos anos 1920.
Na verdade, encenam um combate às drogas e praticam um combate aos pobres. Prende-se um morador da favela com seis gramas de maconha, mas não um deputado que é dono de um helicóptero pego com meia tonelada de cocaína. As principais vítimas desse processo são os filhos da pobreza, em uma ponta, desempregados e vulneráveis ao assédio do tráfico, em outra, fardados e vulneráveis ao seu poder de fogo.
Os jovens de 18 a 29 anos são 55% nas penitenciárias. Mais da metade são negros ou pardos e não têm o Ensino Fundamental completo. Cerca de 22% desses presos o são por tráfico. Enquanto o Brasil tem taxas de homicídio que se comparam a países em guerra civil, a polícia prende "aviõezinhos" e lota cadeias, porém, pouco mais de 5% dos homicídios são realmente investigados. Seria essa a estratégia de combate à violência?
Ao invés de repetir velhos mantras, o ministro e seu governo ilegítimo deveriam olhar para as experiências concretas. Por exemplo, após quatro anos da legalização da maconha no Uruguai, vimos uma redução de 18% dos crimes relacionados ao narcotráfico, mas por aqui preferem seguir enxugando gelo. Mais que intervenção militar, o Estado brasileiro deveria fazer uma intervenção social. Mas isso não parece dar lucros, nem votos.