Em minha última coluna, escrevi sobre um hábito que não temos: o de revisar e refletir sobre as contas públicas. Hoje, quero falar sobre duas atitudes ruins que frequentemente temos: empurrar a responsabilidade para outros grupos sociais e criar leis cuja implementação não temos condições de arcar.
O Brasil é aquele país extremamente desigual onde todo mundo acha que é classe média. Pois tenho uma notícia para nós que ganhamos a partir de R$ 4 mil por mês: estamos entre os 10% mais ricos do país. Então, é de nós mesmos que estamos falando quando dizemos que os ricos precisam abrir mão de alguma coisa.
É claro que, entre os mais ricos, há aqueles que se valem de privilégios mais explícitos, ligados ao Estado. É o caso de quem usufrui de regimes especiais de previdência, dos servidores com benefícios desproporcionais e dos empresários que se apoiam em políticas setoriais de isenção fiscal, crédito subsidiado ou protecionismo. Esse é exatamente o tipo de distorção que precisamos combater.
Há, no entanto, outras distorções menos visíveis das quais usufruímos: a estrutura regressiva do nosso sistema tributário, que pune os mais pobres simplesmente por consumirem uma parcela maior de sua renda com produtos indiretamente tributados. A abundância de mão de obra desqualificada ao nosso dispor para realizar atividades estúpidas, como abastecer veículos, colher alimentos, embalar nossas compras.
Portanto, somos nós que precisamos ceder. Não é o outro. E não vai adiantar criar leis utópicas. Saúde universal para todos, não importa o custo do tratamento. Aposentadoria farta garantida pelo Estado. Emprego estável a quem serve à República. Essa conta vai chegar e, de novo, teremos de abrir mão de nossos confortos.
Talvez, um dia, quando atingirmos níveis mais elevados de prosperidade econômica e de consciência social e política, possamos vislumbrar esse tipo de sistema de bem-estar social. Por enquanto, temos que resolver o básico, e transformar nossos sonhos em lei não ajuda nesse processo.