Quando o corpo sentido aconchega-se à noite, cata uma pedra, uma pena, uma folha, um desejo, para dormir bem na temperatura da própria pele, na sua aspereza talvez.
Quando o corpo sentimento eriça penugem, pestana, quando corrói tripas, quando dilata claraboias, respiradouros, filamentos, avisa complexidades estabelecidas, celebra tratados, contraria Hipócrates.
Quando o corpo consciência englobante decodifica símbolos, em complexas escrituras-imagens, através dos olhos, sistematiza, ordena, destrói viagens.
Quando o corpo ritual, marca indestrutível enquanto tempo, é vida potente, outros ainda dervixes, em movimentos circulares, sequências tibetanas, atualizações dos mitos imitações do universo nas danças da água e do relevo.
Quando o corpo magnetismo de atração-repulsão intrínseca permanente exerce fenômeno na energia duradoura inescapável do outro, é exercício de aceitação, de maleabilidade, de convívio.
Quando o corpo pensamento na História, na tentativa de organizar o Ocidente e o Oriente, na tentativa de compreender o globo, o céu e o grão, na tentativa das grandes narrativas, é ingênuo, mas também é anseio, sede legítima.
Quando o corpo coletivo é massa, é força, trabalho, mudança concreta, quando é manada, intensidade animal, levanta do chão a terra, o mato, o asfalto, o cheiro de mundo.
Quando corpo máquina reduzido a repetências impensadas cria abundâncias e capitais que restritos são inutilidades cruéis, não é mais nem corpo, é outra coisa, utensílio.
No agora, o corpo devastado, triste potência, transcendente-virtualidade, o corpo capaz da luta, do seu refazimento, no agora, apenas o corpo acusado.
O corpo reduzido a lixo, mutismo e perversão, estirado num lodaçal de vozes intransigentes.